terça-feira, 22 de novembro de 2016

Segredos de Lisboa. Inês Ribeiro e Raquel Policarpo. «Em dias de sol também é comum ver os actuais moradores, deste local deitados sobre as ruínas, dormindo grandes sestas enquanto ignoram os visitantes. Os gatos e os pavões do Castelo são uma das grandes atracções…»

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«(…) No Núcleo Arqueológico da Praça Nova, a tarefa de imaginar um passado distante é facilitada pelas placas informativas e pela reconstituição de algumas estruturas que ali foram identificadas durante a intervenção arqueológica. Aqui foram escavadas estruturas habitacionais da Idade do Ferro ocupadas entre os séculos VII a. C. e II a. C.. A profundidade e que foram encontrados e a sua fragilidade leva a que estejam protegidas por uma estrutura que inclui um quadro explicativo das diversas unidades estratigráficas, as camadas de terra e materiais arqueológicos que se foram sobrepondo ao longo de diferentes épocas. O período romano não deixou nesta área quaisquer estruturas, apenas uma grande quantidade de material cerâmico que está exposto no Núcleo Museológico. Foi preciso esperar até ao século XI para que a Praça Nova se tornasse um bairro habitacional islâmico organizado por diversas ruas rodeadas de casas, uma das quais se prolongava pelo que é hoje o parque de estacionamento do Castelo em direcção ao castelejo. outra importante rua, que funcionou até ao terramoto de 1755, fazia a ligação entre a Porta do Moniz e a antiga mesquita, que estaria sob a actual Igreja de Santa Cruz do Castelo.
Deste bairro restam duas casas que foram reconstituídas para que os visitantes possam ter uma ideia de como era uma típica casa islâmica, organizada em torno de um pátio central pavimentado. Aqui ainda é possível sentir o aroma das ervas aromáticas, que, além de melhorar o ambiente, eram utilizadas na confecção das refeições da família. As divisões à esquerda estavam ocupadas pelas cozinhas, e à direita encontravam-se espaços de armazenamento e as latrinas. Ao fundo, a principal divisão da casa era o salão, a que se acedia por uma porta dupla e onde se faziam as refeições. De cada lado desta divisão estavam os quartos, ou alcovas, que estariam separadas por biombos ou cortinas para criar um ambiente mais acolhedor e reservado. Em ambas as casas ainda é possível ver o chão pavimentado a argamassa e o que resta dos estuques brancos e vermelhos que decoravam as paredes com motivos geométricos e representações do Cordão da Felicidade ou da Eternidade. Depois da conquista cristã, parte deste bairro foi reutilizada, enquanto uma larga área foi demolida para dar lugar ao Palácio dos Bispos, um enorme edifício que ocuparia a maior parte deste espaço. No século XVI, este palácio passou para os condes de Santiago, até ter sido praticamente destruído com o terramoto de 1755. Já no século XIX aqui funcionou uma cordoaria pertencente à Casa Pia de Lisboa. As obras da década de trinta desaterraram a área e rebaixaram o piso, destruindo muitas das estruturas ali enterradas. Do grande palácio, organizado em torno de dois pátios, pouco resta hoje. Conhece-se apenas uma entrada e uma pequena parte do piso térreo ocupada por arrumos e despensas. As estruturas de várias épocas que foram sendo identificadas revelam o reaproveitamento feito nas várias remodelações realizadas entre os séculos XII e XVIII. Numa das divisões é possível ver como estas sucessivas obras criaram três tipos de pavimento diferentes, desde o simples empedrado de seixos rolados às tijoleiras. Protegido por uma pala metálica, um dos pisos deste palácio revela um luxo caraterístico dos finais do século XV, formando um mosaico de pedras multicolores com um motivo central em estrela. Em dias de boa luz, este colorido conjunto é reflectido na pala, uma engenhosa solução que permite uma melhor observação do desenho.
Em dias de sol também é comum ver os actuais moradores, deste local deitados sobre as ruínas, dormindo grandes sestas enquanto ignoram os visitantes. Os gatos e os pavões do Castelo são, aliás, uma das grandes atracções dos dias de hoje, competindo para ver quem é mais fotografado. Entre os sustos e as gargalhadas causados pelo grito de pavões empoleirados nos locais mais inusitados e as festas dadas aos felinos que ali se passeiam, as longas horas de esplanada ou os visitantes que se deliciam com o sol lisboeta no fosso e nos miradouros, o Castelo de São Jorge é hoje um local cheio de vida e animação. O ambiente de um passado em que por ali viviam e passavam inúmeras pessoas é também animado pelas várias actividades organizadas pelos Serviços Educativos, como as reconstituições históricas, demonstrações de armas, as danças antigas e até exposições de aves de rapina. Tudo isto faz do Castelo de São Jorge um agradável local de passeio e visita obrigatória para todos quantos queiram conhecer melhor o passado de Lisboa. No topo da colina, escondida debaixo dos nossos pés, encontra-se a origem desta cidade, a génese de uma História de muitos séculos e que ainda tem alguns segredos para revelar». In Inês Ribeiro e Raquel Policarpo, Segredos de Lisboa, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2015, ISBN 978-989-626-706-3.

Cortesia de EdosLivros/JDACT