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Porque não dominaram os Portugueses as Canárias?
«(…) Esta chegou, finalmente, em 1475, quando se declarou a guerra entre
Afonso V e Isabel de Castela: de imediato, os Castelhanos deixaram de respeitar
as proibições e as direticvas papais que concediam o exclusivo aos Portugueses
e enviaram diversas expedições à Guiné, chegando mesmo a atacar e a saquear
Santiago, em Cabo Verde. Foi, portanto, no sentido de garantir a exclusividade
portuguesa nestas paragens, e reconhecendo que o domínio castelhano sobre as
Canárias era uma realidade, que Portugal renunciou formalmente a qualquer
pretensão a estas ilhas, no Tratado de Alcáçovas-Toledo, que pôs fim ao estado
de guerra entre as duas coroas.
Porque só em 1434 foi passado o cabo Bojador?
Quando se fala do cabo Bojador como limite do mundo conhecido pelos
Europeus até ao século XV, é comum surgirem várias ideias associadas: a de que
existiria um conjunto de lendas e de superstições sobre monstros marinhos, o
fim do mundo ou grandes perigos que esperariam os marinheiros que ousassem
passar este marco, a de que a própria passagem seria muito difícil e perigosa
ou, ainda, que Gil Eanes foi o primeiro a passá-lo, em 1434, e que era um
destemido navegador. Durante muito tempo ignorado e mantido na sombra de
Cristóvão Colombo, a quem se atribuía o mérito, quase exclusivo, de desbravar o
Atlântico desconhecido, Gil Eanes emergiu lentamente do anonimato e obteve
finalmente o seu lugar no panteão dos grandes navegadores do século XV. Passou,
contudo, e talvez demasiado depressa, de anónimo a herói. Numa obra de
divulgação histórica, diz-se que Gil Eanes, a quem a lentidão do progresso irritava
e que desprezava as superstições, decidiu averiguar o que, na realidade, se
encontrava a sul do Bojador. Na verdade, e segundo nos conta Zurara, Gil
Eanes só passou o Bojador à segunda, e depois de fortemente admoestado pelo seu
senhor, o infante Henrique. Fora-lhe atribuído o comando de uma barca, mas, na
primeira tentativa, em 1433, escusou-se a passar o cabo e preferiu fazer o
mesmo que os outros que o infante Henrique enviara anteriormente, ao longo de
mais de uma década: fazer uma razia e capturar uns quantos escravos, nas
Canárias, e regressar a Lagos. O que tinha aquele ponto da costa, então, de especial?
Em primeiro lugar, a costa era inóspita em toda aquela extensão a sul de Marrocos,
no actual Sara Ocidental, sem água nem vegetação; depois, era ideia assente
entre os marinheiros de que havia ali baixios, ou seja, a água era pouco
profunda, com correntes que impediam os navios de regressar. Nada se sabia
sobre o que ficava além. Para quê arriscar, então, com tantas incertezas e tão
pouco proveito?
Há notícias de, pelo menos, duas tentativas anteriores: a dos irmãos Vivaldi,
nos finais do século XIII, e a do catalão Jaime Ferrer, em meados do século
seguinte. O facto de nada se saber dos resultados destas viagens, e o fracasso
da expedição dos Vivaldi era conhecido por toda a Europa, adensava
evidentemente o mistério e não convidava a novas tentativas. Nada motivava a
viagem; só a persistência de alguém suficientemente rico e teimoso para
arriscar a perda de homens e navios permitiria superar as hesitações e cumprir
o objectivo, de duvidosa utilidade e mérito, pensava-se, de passar o Cabo». In
Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses Descobriram a Austrália? Porque foi Conquistada
Ceuta? O arranque dos Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN
978-989-626-498-7.
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