domingo, 13 de novembro de 2016

As Ordens Militares em combate nos finais da Idade Média. Caso da Guerra da Sucessão de Castela (1475-1479). António C. Martins Costa. «O conflito que opôs Afonso V aos Reis Católicos permite-nos, portanto, observar o papel marcial das Ordens Militares portuguesas…»


Cortesia de wikipedia e jdact

«Chegadas à Península Ibérica pouco após a sua fundação na Terra Santa, quando a marca cristã se encontrava próxima do Sistema Central, as Ordens Militares tornaram-se amplamente conhecidas pelo seu papel na dinâmica de Reconquista entre os séculos XII e XIV, quando o imenso território islâmico acabou resumido ao pequeno reino de Granada. Nesse período, estas milícias encontraram na Hispânia um espaço vital privilegiado, ao invés do que sucedia na Palestina com o insucesso cruzadístico, pelo que aos hospitalários e templários se juntaram Ordens de origem ibérica como Santiago, Calatrava e Alcântara. Com enquadramento religioso, os freires cavaleiros apresentavam-se fortemente organizados, hierarquizados e disciplinados, exibindo uma eficácia militar que lhes assegurou concessões de vastos territórios e abundantes rendas nos reinos cristãos. Observando a realidade portuguesa, a centúria de Quatrocentos correspondeu a um momento de transformação institucional das Ordens Militares, como mostraram as alterações estatutárias que permitiram aos cavaleiros de Cristo, Avis e Santiago contrair matrimónio, mas também de clara polarização em torno da Coroa, uma vez que os monarcas procuraram atrair para a sua órbita estas milícias pela sua importância económica, social e militar. Mas, finda a Reconquista do território e cristalizada a fronteira portuguesa, mantiveram as Ordens Militares o seu protagonismo marcial até à viragem para a modernidade? A Guerra da Sucessão de Castela de 1475-1479 reveste-se de particular interesse de estudo ao inscrever-se num profícuo contexto de transformações bélicas. A teoria da Revolução Militar, inicialmente proposta por Michel Roberts em 1955, destaca o crescimento do tamanho dos exércitos e o aumento da duração das campanhas, a introdução das armas de fogo e o destronar da cavalaria como núcleo principal dos exércitos.
O conflito que opôs Afonso V aos Reis Católicos permite-nos, portanto, observar o papel marcial das Ordens Militares portuguesas num período de transição, quer no âmbito de um exército de campanha, quer no quadro da defesa do território; quanto a Castela, procuraremos alcançar o seu protagonismo militar, num contexto de fractura sociopolítica. Como tal, recorremos a fontes narrativas que cobrem aqueles reinados, como a crónica dos portugueses Rui Pina, Garcia Resende e Damião Góis, a dos castelhanos Fernando del Pulgar e Andrés Bernáldez, bem como a do aragonês Jerónimo de Zurita. Quanto às fontes documentais, destacamos os registos de Álvaro Lopes Chaves, secretário régio de Afonso V, assim como outros documentos constantes das chancelarias do Africano e dos Reis Católicos. Por fim, não quisemos deixar de recorrer, como fonte iconográfica, ao célebre Livro das Fortalezas do escudeiro Duarte d’Armas, que em 1509 procedeu ao debuxo dos castelos da fronteira portuguesa.

As Ordens Militares no exército mobilizado
No final do século XV, a arte da guerra encontrava-se em franca transformação. Ao heterogéneo exército medieval (formado, além dos contingentes das incontornáveis Ordens Militares, pelos corpos da guarda do rei, pelas mesnadas senhoriais, pelas milícias concelhias, por companhias de mercenários e, mesmo, por grupos de homiziados), juntavam-se corpos permanentes de profissionais da guerra, que dominavam o manuseamento de novas armas, as quais, pela sua especificidade, exigiam novos modelos de treino e, mesmo, técnicos experimentados (era o caso dos artilheiros, tidos até como civis, desligados da hierarquia militar). Do modelo medievo de recrutamento, em que o exército era habitualmente convocado ad hoc para uma dada campanha, caminhava-se para o ressurgimento de exércitos permanentes. A própria natureza dos conflitos, com operações cada vez mais duradouras, favorecia não só essa evolução temporária de serviço como, por exigir ainda maior número de efectivos, viabilizava um crescimento progressivo dos exércitos. Sobre este pano de fundo de continuidades e rupturas na arte da guerra, qual terá sido o papel das Ordens Militares portuguesas no exército que, entre os meados de 1475 e os de 1476, operou sob o comando de Afonso V em Castela?» In António C. Martins Costa, As Ordens Militares em combate nos finais da Idade Média. Caso da Guerra da Sucessão de Castela (1475-1479), Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Revista Medievalista, Nº 19, JAN-JUN, 2016, ISSN 1646-740X.

Cortesia de RMedievalista/JDACT