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«Chegadas à Península Ibérica pouco
após a sua fundação na Terra Santa, quando a marca cristã se encontrava próxima
do Sistema Central, as Ordens Militares tornaram-se amplamente conhecidas pelo
seu papel na dinâmica de Reconquista entre os séculos XII e XIV, quando
o imenso território islâmico acabou resumido ao pequeno reino de Granada. Nesse
período, estas milícias encontraram na Hispânia um espaço vital privilegiado,
ao invés do que sucedia na Palestina com o insucesso cruzadístico, pelo que aos
hospitalários e templários se juntaram Ordens de origem ibérica como Santiago,
Calatrava e Alcântara. Com enquadramento religioso, os freires cavaleiros
apresentavam-se fortemente organizados, hierarquizados e disciplinados,
exibindo uma eficácia militar que lhes assegurou concessões de vastos
territórios e abundantes rendas nos reinos cristãos. Observando a
realidade portuguesa, a centúria de Quatrocentos correspondeu a um momento de
transformação institucional das Ordens Militares, como mostraram as alterações
estatutárias que permitiram aos cavaleiros de Cristo, Avis e Santiago contrair
matrimónio, mas também de clara polarização em torno da Coroa, uma vez que os
monarcas procuraram atrair para a sua órbita estas milícias pela sua
importância económica, social e militar. Mas, finda a Reconquista do
território e cristalizada a fronteira portuguesa, mantiveram as Ordens
Militares o seu protagonismo marcial até à viragem para a modernidade? A Guerra
da Sucessão de Castela de 1475-1479 reveste-se de particular interesse de
estudo ao inscrever-se num profícuo contexto de transformações bélicas. A teoria
da Revolução Militar, inicialmente proposta por Michel Roberts em 1955, destaca
o crescimento do tamanho dos exércitos e o aumento da duração das campanhas, a
introdução das armas de fogo e o destronar da cavalaria como núcleo principal
dos exércitos.
O
conflito que opôs Afonso V aos Reis Católicos permite-nos, portanto, observar o
papel marcial das Ordens Militares portuguesas num período de transição, quer
no âmbito de um exército de campanha, quer no quadro da defesa do território;
quanto a Castela, procuraremos alcançar o seu protagonismo militar, num
contexto de fractura sociopolítica. Como tal, recorremos a fontes narrativas
que cobrem aqueles reinados, como a crónica dos portugueses Rui Pina, Garcia Resende
e Damião Góis, a dos castelhanos Fernando del Pulgar e Andrés Bernáldez, bem
como a do aragonês Jerónimo de Zurita. Quanto às fontes documentais, destacamos
os registos de Álvaro Lopes Chaves, secretário régio de Afonso V, assim como
outros documentos constantes das chancelarias do Africano e dos Reis
Católicos. Por fim, não quisemos deixar de recorrer, como fonte iconográfica,
ao célebre Livro das Fortalezas do escudeiro Duarte d’Armas, que em 1509
procedeu ao debuxo dos castelos da fronteira portuguesa.
As Ordens Militares no exército mobilizado
No
final do século XV, a arte da guerra encontrava-se em franca transformação. Ao
heterogéneo exército medieval (formado, além dos contingentes das
incontornáveis Ordens Militares, pelos corpos da guarda do rei, pelas mesnadas
senhoriais, pelas milícias concelhias, por companhias de mercenários e, mesmo,
por grupos de homiziados), juntavam-se corpos permanentes de profissionais da
guerra, que dominavam o manuseamento de novas armas, as quais, pela sua
especificidade, exigiam novos modelos de treino e, mesmo, técnicos
experimentados (era o caso dos artilheiros, tidos até como civis, desligados da
hierarquia militar). Do modelo medievo de recrutamento, em que o exército era
habitualmente convocado ad hoc para uma dada campanha, caminhava-se para
o ressurgimento de exércitos permanentes. A própria natureza dos conflitos, com
operações cada vez mais duradouras, favorecia não só essa evolução temporária
de serviço como, por exigir ainda maior número de efectivos, viabilizava um
crescimento progressivo dos exércitos. Sobre este pano de fundo de
continuidades e rupturas na arte da guerra, qual terá sido o papel das Ordens
Militares portuguesas no exército que, entre os meados de 1475 e os de 1476,
operou sob o comando de Afonso V em Castela?» In António C. Martins Costa, As
Ordens Militares em combate nos finais da Idade Média. Caso da Guerra da Sucessão
de Castela (1475-1479), Universidade de Coimbra, Faculdade de Letras, Revista
Medievalista, Nº 19, JAN-JUN, 2016, ISSN 1646-740X.
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