«(…) Assim que o comboio chegou a
Auschwitz (eram aproximadamente 21 horas de 26 de Fevereiro de 1944), os vagões
foram rapidamente esvaziados por numerosos SS, armados com pistolas e bastões;
e os viajantes foram obrigados a colocar malas, trouxas e cobertores ao longo
do comboio. A comitiva foi logo dividida em três grupos: um de homens jovens e
aparentemente válidos, que veio a ser constituído por 95 indivíduos; um segundo
de mulheres, também jovens, grupo pequeno, composto por apenas 29 pessoas, e um
terceiro, o mais numeroso de todos, com crianças, inválidos e velhos. Enquanto
os primeiros foram encaminhados separadamente para vários campos, há razões
para crer que o terceiro foi conduzido directamente para a câmara de gás de
Birkenau, e aqueles que o integravam trucidados nessa mesma noite.
O primeiro grupo foi levado para
Monowitz, onde havia um Campo de concentração sob a alçada administrativa de
Auschwitz, do qual distava cerca de 8 km, e que fora constituído em meados de 1942
com a finalidade de fornecer mão-de-obra para a construção do complexo
industrial Buna-Werke, subordinado à I.G. Farbenindustrie. Esse campo albergava
entre 10000 e 12000 prisioneiros, embora a sua capacidade normal se limitasse a
7000-8000 homens. A maior parte deles eram Judeus de todas as nacionalidades da
Europa, mas havia uma pequena minoria de criminosos alemães e polacos, de políticos
polacos e de sabotadores.
A Buna-Werke, destinada à
produção em grande escala de borracha sintética, gasolina sintética, corantes e
outros subprodutos de carvão, ocupava uma área rectangular com cerca de 35 km2.
Uma das entradas dessa zona industrial, totalmente isolada por cercas altas de
arame farpado, encontrava-se a poucas centenas de metros do Campo de
concentração dos Judeus, enquanto, a pouca distância deste e adjacente à
periferia da zona industrial, havia um Campo de concentração para prisioneiros
de guerra ingleses e, mais longe, encontravam-se outros Campos para
trabalhadores civis de várias nacionalidades. Diga-se de passagem que o ciclo
produtivo da Buna-Werke nunca começou: a data de inauguração, prevista
inicialmente para Agosto de 1944, foi sendo protelada devido aos
bombardeamentos aéreos e à sabotagem por parte dos operários civis polacos, até
à evacuação do território pelo exército alemão.
Monowitz era, portanto, um típico
Arbeits-Lager (campo de trabalho): todas as manhãs a população inteira do Campo,
excepto os doentes e as poucas pessoas designadas para trabalhos internos, dispunha-se
numa formação perfeitamente ordenada e desfilava ao som de uma banda, que
tocava marchas militares e alegres cançonetas, para se dirigir aos locais de
trabalho que, para alguns grupos, ficavam a uma distância de seis-sete
quilómetros: o trajecto era feito em passo acelerado, quase em corrida. Antes da
saída para o trabalho e depois do regresso, todos os dias se realizava a
cerimónia de chamada numa praça do Lager própria para esse fim, onde todos os
prisioneiros tinham de ficar em formação rígida, durante uma a três horas,
independentemente do clima que estivesse». In Primo Levi, Assim foi Auschwitz, 2015,
Penguin Randon House Grupo Editorial, Objectiva, 2015, ISBN 978-989-877-569-6.
Cortesia de Objectiva/JDACT