«(…) Neste caso, tanto a representação
dirigida para o olhar terreno, a do lateral, como aquela que se orienta para o
Além, a da tampa funerária, manifestam a mesma intenção, ou seja, marcar o
estatuto social de um nobre guerreiro em que a profissão de homem-de-armas se
integra numa memória familiar linhagística. Não significa isto, no entanto, a
escolha de uma imagem puramente leiga por parte do senhor representado no
sarcófago de Pombeiro. Com efeito, no Ocidente medieval, em particular a partir
do século XII, a cavalaria encontrava-se associada ao desempenho de uma missão
sagrada na Terra, a efectuar no quadro da ideologia trifuncional da sociedade,
e tendo como manifestação um vasto conjunto de práticas altamente ritualizadas,
destinadas aos futuros membros da sacralizada sociedade cavaleiresca. Na Península Ibérica, este
aspecto encontrava-se associado, desde o século XII, à participação
cruzadística dos bellatores
na luta contra o Infiel, sendo a importante presença das ordens militares no
reino, uma das suas mais visíveis manifestações. Sendo assim, não é de todo
estranho a preocupação evidenciada pelo nobre tumulado em Pombeiro se fazer
representar perante o divino ostentando elementos próprios da sua actividade
guerreira, ou seja, a espada e as esporas, até porque, enquanto na sua
representação cavaleiresca para os vivos ele surge em combate, para o Além ele
associa-se a uma atitude de guerreiro em repouso, simbolicamente alheado dos
momentos de combate e preparado para uma luta que já não é a terrena, tendo
como objectivo conquistar um lugar na corte dos eleitos.
Em suma, torna-se patente, nestes
exemplos, a existência de uma topografia tumular simbólica que se expressa nas
distintas representações utilizadas nos diferentes espaços constituintes do
sepulcro. Elas encontram-se, assim, distribuídas segundo um eixo vertical que
sobe da base para a tampa, onde se pode encontrar ou não um jacente. A base do
túmulo, onde se encontram, frequentemente, representações de animais que serão
objecto deste estudo, marca a parte inferior. Segue-se depois, em ascensional
dignidade iconográfica, a arca tumular propriamente dita, na qual se distinguem
as partes da cabeceira, laterais e a secção dos pés, onde se ostentam imagens
que marcam, ora a vivência terrena do defunto, ora a sua ligação familiar, ou
mesmo, a sua aspiração de vir a participar do grupo dos eleitos, sobretudo no
caso de aí figurarem representações iconográficas de entidades celestes,
capazes de sancionar especiais protecções no momento da morte. Finalmente, após
esta zona do túmulo orientada para o olhar dos vivos e dos vindouros,
encontra-se a tampa virada para o Céu. Aí, é para a divindade a quem o defunto
se apresenta e apela, seja por sinais codificados e figurações, ou, de uma
forma mais clara, pela sua própria representação na figura do jacente. De uma
forma geral, é no quadro desta orientação da topografia simbólica do sepulcro
que o nosso estudo sobre a representação e simbolismo dos animais na tumularia
foi conduzido. Assim, sendo os animais concebidos como os mais próximos
participantes do mundo terreno e envolvente do homem, verificaremos como as
suas figurações nos túmulos se tornam mais proeminentes e significativas nos
locais dedicados à iconografia de ligação do defunto com a Terra.
Começaremos, no entanto, por examinar a
sua representação nas tampas, viradas para o Celeste, descendo depois até às
secções orientadas para o olhar humano. Para além dos elementos presentes nos
túmulos propriamente ditos, também iremos considerar duas outras manifestações
a eles associados, ou seja, muito sumariamente, um arcossólio onde se encontram
representados dois ginetes, e uma lâmina de bronze que assinala o sepulcro de
Estêvão Vasques Pimentel, na capela de Nossa Senhora do Rosário do Mosteiro de
Leça do Balio, sendo esta placa funerária a metálica que chegou aos nossos dias
no Entre-Douro-e-Minho, embora se saiba que outras existiram na região,
tendo-se centrado o seu maior núcleo, hoje desaparecido, na Sé do Porto onde se
encontravam, pelo menos, cinco exemplares.
No entanto, estes dois autores discordam
quanto ao facto de ela poder ou não constituir um ensaio ou protótipo de
jacentes, perfilhando Manuel Luís Real a primeira hipótese, enquanto Mário
Jorge Barroca defende a segunda, declarando estarmos perante uma manifestação
independente desse tipo de pesquisas, e acentua que nela se manifesta uma negação
consciente de volumetria, no sentido de negar a tridimensionalidade. Este
último autor considera, então, a tampa como obra de um escultor que se deslocou
da zona de Coimbra para o Norte do país, e propõe a hipótese da figuração do
abade se ter inspirado nas ilustrações do Apocalipse do Lorvão. Vejamos alguns aspectos relativos à
simbologia da serpente. Na cultura cristã, ela apresenta uma conotação dupla e
oposta. Embora geralmente se apresente como uma figuração do mal, também pode,
igualmente, remeter para um simbolismo cristológico, como é o caso da sua
representação nos báculos. A esse respeito,
Louis Charbonneau-Lassay, após referir a serpente como símbolo de Cristo,
sublinha como durante la segunda parte de la Edad Media, sobre todo del
siglo XI al XIV, hay numerosos báculos de obispos e abades que terminan en una
voluta en cuyo extremo hay una cabeza de serpiente. Por seu lado,
Gerd Heinz-Mohr considera que formas e figuras de serpentes em cajados lembram
o aspecto positivo da serpente de bronze, o símbolo de Cristo». In Pedro
Chambel, Marcas do Quotidiano nos
Monumentos Funerários. A Representação de Animais na Tumulária Medieval do
Entre-Douro-e-Minho, Instituto de Estudos Medievais, IEM, Ano 1, N º 1, 2005,
ISSN 1646-740X.
Cortesia de
RMedievalista/JDACT