sábado, 22 de julho de 2017

Os cavaleiros de Carneiro e a herança da cavalaria vilã na Estremadura. Os casos de Arruda e de Alcanede. Luís Filipe Oliveira. «De acordo com a notícia dos visitadores de 1488, era isso que ocorria no dia consagrado a Santiago, quando se agarrochava o animal oferecido pelos rendeiros da Ordem»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) A permanência desta cavalaria nas vilas de Arruda e de Alcanede permite sugerir, por outro lado, que as comunidades respectivas não se tinham dissociado, por completo, das élites de cavaleiros e que estavam dispostas a lutar pela defesa dos costumes e dos privilégios que as caracterizavam. As notícias não são muito esclarecedoras, nem mesmo na Arruda, onde aqueles costumes tiveram maior continuidade. Não é impossível, contudo, que os rituais de entrada em cavalaria se fizessem acompanhar de algumas celebrações festivas, onde se comemorasse a renovação da força colectiva e se regenerassem os sentimentos de pertença e de partilha entre toda a comunidade. Nas duas vilas, essas cerimónias faziam parte dos rituais de entrada na vida adulta, associando-se, em Alcanede, a gestos que celebravam a riqueza e a abundância, recorde-se a alusão à boda e à quebra de vasilhas de vinho, ou a exibições de perícia equestre, no caso de Arruda. Nesta última vila, nem sempre os novos cavaleiros se limitariam, por certo, a mostrar os seus dotes equestres perante as autoridades locais, não sendo improvável que essas exibições evoluíssem para alguns jogos do agrado de todos. O momento convidava, aliás, a uma reavaliação lúdica dos méritos de todos e do lugar de cada um na hierarquia do grupo, de modo a sanar as perturbações criadas pela recepção dos neófitos. Talvez se organizassem então algumas carreiras e se mimasse um combate, ou se corresse um touro pelas ruas da vila. De acordo com a notícia dos visitadores de 1488, era isso que ocorria no dia consagrado a Santiago, quando se agarrochava o animal oferecido pelos rendeiros da Ordem, vendendo-se a pele e distribuindo-se a carne pelos pobres.

A associação destes eventos lúdicos aos rituais de entrada em cavalaria, que aqui se sugeriu a partir do pouco que se conhece, poderia documentar, de igual modo, uma tradição concelhia de jogos equestres, independente das justas e dos torneios da Corte. A avaliar pelo caso da Arruda, essa tradição mais popular ter-se-á mantido para lá de finais da época medieval, estando apta a adquirir novas características e a adaptar-se a outras solicitações. Nessa perspectiva, ela poderia oferecer uma explicação diferente para o desenvolvimento das festas conhecidas como as Cavalhadas, que se tornaram frequentes desde meados do século XVI e que chegaram aos Açores e ao Brasil, sem necessidade de as olhar como uma paródia dos jogos equestres da aristocracia. No actual território brasileiro, onde as cavalhadas tinham muitas vezes lugar durante as festividades do Espírito Santo, vindo a ganhar um sabor aristocrático no decurso do século XVIII, um dos mais antigos testemunhos continuava a fazê-las coincidir com os dias faustos das bodas e dos casamentos. Mas essa é já uma outra história, por muito que nela ecoem alguns dos costumes herdados da antiga cavalaria vilã». In Luís Filipe Oliveira, Os cavaleiros de Carneiro e a herança da cavalaria vilã na Estremadura. Os casos de Arruda e de Alcanede, Instituto de Estudos Medievais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Revista Medievalista, ano 1, número 1, 2015, ISSN 1646-740X.


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