«(…)
Aniversário de 3 de Março
«Ao som da lira
a dor exponho,
versos componho
filhos
da dor.
Gemendo as Musas,
Apolo em pranto
meu triste canto
faça
escutar.
De Orfeu saudoso
o plectro invoco,
meu peito rouco
segui-lo
quer.
Ah! Se eu pudesse,
rompendo o Averno,
ao sono eterno
ir-te
arrancar!...
Ah! Se eu pudesse,
qual outra Alceste,
ao sítio agreste
ir-te
buscar!...
Iria afoita,
de ânimo forte;
com a mesma morte
fora
lutar».
No
dia dos meus anos
«Dia cruel, no qual ao bem
resiste
a memória de uns anos
desgraçados,
ou brilha vencedor de injustos
fados,
ou
não tomes a vir como hoje, triste.
Porém que digo? Céus! Em que
consiste
o emprego dos meus votos
inflamados,
se dos terrenos bens tão
desejados,
além
da morte, nem um só persiste?
Dure pois muito embora esta
violência,
que o peito martiriza sem
piedade,
que
eu assaz me contento da inocência.
E para a verdadeira utilidade,
receberei, entregue à paciência,
saudáveis
lições na adversidade.
Eu cantarei um dia da tristeza
por uns termos tão temos e
saudosos,
que deixem aos alegres invejosos
de
chorarem o mal que lhes não pesa.
Abrandarei das penhas a dureza,
exalando suspiros tão queixosos,
que jamais os rochedos cavernosos
os
repitam da mesma natureza.
Serras, penhascos, troncos,
arvoredos,
ave, fonte, montanha, flor,
corrente,
comigo
hão-de chorar de amor enredos.
Mas ah! Que adoro uma alma que
não sente!
Guarda, Amor, os teus pérfidos
segredos,
que
eu derramo os meus ais inutilmente.
Como, importuno Amor, ainda
procuras
misturar-te entre as minhas
agonias?
vai,
cruel, para onde os alegrias
no
seio da Fortuna estão seguras;
Onde em taças douradas,
formosuras,
esgotando o prazer, passam seus
dias;
onde acariciado tu serias
por
quem nem sabe o nome às desventuras.
Ao som de harmoniosos
instrumentos,
no peito, que é de pérolas
ornado,
criarás
mil suaves sentimentos;
Mas em mim, que sou vítima do
fado?!...
Cercada dos mais ásperos
tormentos,
achas
uma alma só – e um só cuidado.
Bem pode sobre o cândido Oriente
soltar Febo os cabelos
douradores,
que quem vive como eu, vê sempre
as flores
tintas
da negra cor do mal que sente.
Para mim não há prado
florescente,
tudo murcham meus ais, meus
dissabores,
nem me tornam cantigas dos
Pastores
jamais
serena a pensativa frente.
Se triste vou às danças, triste
venho;
e quando a noite estende húmido
manto,
a
segurar o sono em vão me empenho.
Não toco a flauta, versos já não
canto;
cercada de pesar, mais bem não
tenho
que
um triste desafogo em terno pranto.
Vai a fresca manhã alvorecendo,
vão os bosques as aves acordando,
vai-se o Sol mansamente
levantando
e
o mundo à vista dele renascendo.
Veio a noite os objetos
desfazendo
e
nas sombras foi todos sepultando;
eu, desperta, o meu fado
lamentando.
Fui
coa ausência da luz esmorecendo.
Neste espaço, em que dorme a
Natureza.
Porque vigio assim tão
cruelmente?
Porque
me abafa ó peso da tristeza?
Ah, que as mágoas que sofre o
descontente,
as mais delas são faltas de
firmeza.
torna
a alentar-te, ó Sol resplandecente!»
Sonetos de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in ‘Poemas
de Alcipe’
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