«(…)
Lord Sebastian
fechou a porta para afastar os retardatários que persistiam em espiar perto da
ombreira da porta. Em seguida aproximou-se do fogo e examinou mais atentamente
o ferimento. Porque ficou tão preta?, perguntou Audrianna. Pólvora quente. A
bala só me tocou de raspão, mas fiquei bem chamuscado. Voltou-se para ela. O
seu nome. Preciso dele agora, e não pense em mentir. O juiz de paz o arrancará
de você com certeza, e nem pense que vou continuar sem saber o que se passa
aqui. Ela estava assustada e consternada demais para mentir. Sou Audrianna
Kelmsleigh, filha de Horatio Kelmsleigh. Ele ficou perplexo. Vi uma mensagem no
jornal de alguém que se autointitulava Dominó e parecia ser para o meu pai,
explicou ela. Eu vim, para ver se o homem tinha informação que pudesse limpar o
seu nome. Tudo aquilo havia parecido tão certo, tão necessário, no dia
anterior. Porque está aqui? Também vi o anúncio, e também tive esperança de
falar com o tal Dominó. Porquê? Meu pai está morto. O mundo seguiu em frente.
Acho que
há algo mais nessa história. Não vejo como poderia obter informações do Dominó
fingindo ser o próprio Dominó. A minha intenção era fingir ser o Kelmsleigh.
Quando você presumiu que eu era Dominó, decidi entrar no jogo e descobrir quem
era aquela mulher inesperada, e que papel desempenharia no esquema geral. Esquema
geral? Então alguém abriu a porta. Uma criada trouxe uma bacia e um balde de
água. Colocou alguns panos limpos sobre a cama. Um cavalheiro pediu-me que
trouxesse também esta camisa, explicou, colocando-a de lado. Deu uma boa
olhadela a Audrianna e saiu apressada. Lord Sebastian pôs o balde perto do
fogo. Sentou-se na cama, despiu o colete e depois tirou a camisa rasgada. Fez
uma careta de dor quando o tecido roçou na ferida.
Audrianna
piscou os olhos repetidamente, espantada mais uma vez. Aquele homem não tinha
nada que o cobrisse. Estava ali sentado, preocupado com o ferimento, sem roupa,
meio nu na verdade. Não parecia achar nada estranho que ela estivesse sentada
ali mesmo ao lado dele. Nunca vira um homem sem camisa. Tentou fingir uma
indiferença espontânea, mas não pôde evitar reparar que, se uma mulher tinha de
ver um homem meio nu pela primeira vez na vida, lord Sebastian não era um mau
começo. Já não era rapaz, mas ainda possuía a firmeza ágil da juventude, que
não interferia nos músculos que definiam o peitoral. Vou precisar dessa
cadeira, miss Kelmsleigh. Se não se importar. Ela soltou-a num salto. Ele
agarrou o móvel pelo encosto, posicionou-o à frente da lareira e sentou-se. Com
a água quente e sabão, começou a limpar o corte que tinha no braço.
Supunha
que aquilo devia doer, mas ele não mostrava reacção alguma. Talvez não
estivesse tão indiferente à sua presença como parecia. Vou lá para baixo
enquanto você... Dei a minha palavra de que não sairia deste quarto. Além
disso, lá em baixo somente desprezo, senão pior. Ficará aqui até o magistrado
chegar e decidiremos o que lhe dizer. Ela aproximou-se, hesitante. A parte de
trás do braço escapara em muito aos cuidados dele. – Deixe que o ajude, então.
Passe o pano. Ele deu-o a ela. Ela limpou o pó preto. Agora via melhor o corte.
Não era profundo, mas tinha uma queimadura feia de uns dois centímetros à
volta. Duvidava de que um cirurgião pudesse ter feito mais do que limpá-la como
eles faziam. Conseguiu vê-lo bem?, perguntou ele. O Dominó? Acha que era ele? Tenho
a certeza. Deve ter-me ouvido pedir indicações para o quarto e achou que o
Kelmsleigh estava aqui. Viu o rosto dele? O reconheceria? Tentou resgatar a
memória. Abrandar a explosão da acção. Vislumbrara o rosto do intruso por baixo
da aba larga do chapéu, banhado pela luz da lareira quando se aproximou deles.
Recordou o choque dele, primeiro ao ver que ela estava lá, bloqueada pelo corpo
de lord Sebastian, depois ao ver a pistola na mão dele. Sim, acredito que
conseguiria reconhecê-lo. Acha que ele ainda está aqui? Ele acaba de atirar num
homem. A esta altura, já está bem longe da estalagem. No entanto, é bom, um de
nós ter conseguido vê-lo bem. Pode vir a ser útil.
Ele
parecia determinado e irritado. Duvidava de que aquele interesse persistente
pelo Dominó beneficiasse a
sua
própria causa. Continuava limpando, enquanto ele olhava o fogo com um ar obstinado. Depois voltou-se para ela com o cenho franzido. Não
devia ter vindo a este lugar. O que tinha na cabeça? Que mais ninguém se
importava com a verdade e, por isso, eu mesma tinha que tratar disso. Criou complicações e distracções desnecessárias. Não acredito
que um homem da sua envergadura seja escravo de alguma distracção. Nem tenho a ilusão de ser o
tipo de mulher que faz um homem se esquecer de si mesmo. Mas lembro a você que
qualquer distracção que tenha
resultado neste ferimento foi por sua própria culpa. Os olhos dele incendiaram-se com a acusação dela, mas as
chamas acalmaram com bastante rapidez. O rosto permaneceu com uma expressão
severa, mas não voltou a culpá-la tão descaradamente». In Madeline Hunter, Deslumbrante,
Edições ASA, 2013, ISBN 978-989-232-372-5.
Cortesia de EASA/JDACT