A
intriga de Compostela 1140-1142
«(…) O imperador animou-se! Nessa
mesma noite, enquanto o arcebispo Gelmires soltava o último suspiro,
conferenciou com Fernão Peres Trava, seu conselheiro e um dos nobres mais
poderosos da Galiza. No entanto e para surpresa de Afonso VII, o Trava não se
excitou com a malícia. Embora fosse dotado de um espírito arguto, quando o
assunto era Afonso Henriques o fino galego cegava de ódio puro e suspendia o
pensamento lúcido. Fernão Peres nunca perdoara ao príncipe de Portugal a
derrota na batalha de São Mamede, nem a forma como este tratara a mãe,
colocando-a a ferros numa masmorra. O amor intenso à falecida dona Teresa não passava
já de uma saudade forte, mas a raiva ao filho dela perdurava e, nos últimos anos,
o Trava tudo tentara para matar Afonso Henriques. Nunca fora bem-sucedido nas suas
ignóbeis ciladas, mas não desistia e exclamou: ora, temos é de vencê-lo em
batalha e no fim empalá-lo!
Este desejo sangrento e sórdido esbarrou
em Afonso VII, que não desejava desperdiçar soldados em mais lutas contra o primo,
pois a sua prioridade bélica centrava-se no combate aos sarracenos. Os muçulmanos
da Andaluzia dividiam-se em querelas e o califa de Marraquexe, o almorávida Ali
Yusuf, retirara as suas tropas da península, para se defender dos ataques constantes
dos almóadas em Marrocos. Nunca fora tão óbvia a vulnerabilidade dos mouros andaluzes
e o imperador queria conquistar Cória e depois atacar Córdova e Sevilha, para
ser o primeiro rei cristão a chegar ao mar, em Almeria.
Mais guerras, só contra os mouros!,
proclamou Afonso VII, impondo a sua estratégia intriguista ao Trava, a quem no
final perguntou, deveras curioso. Alguma vez dona Teresa vos falou das crianças
trocadas? Vaidoso, Fernão Peres aprumou o balandrau verde e endireitou-se, como
sempre fazia quando falava da defunta paixão. Tinha duas filhas de dona Teresa e
não voltara a amar ninguém como a ela. Nunca!, exclamou, ligeiramente ofendido.
O imperador compreendeu. Porque haveria a tia, dona Teresa, de querer que
aquele sujo segredo se soubesse? Se o verdadeiro Afonso Henriques tivesse sido trocado,
a desonra atingia-a também, prejudicando os seus interesses. A tia preferira o silêncio.
Fosse quem fosse o menino, era seu filho e o herdeiro do Condado! E Chamoa?, questionou
o imperador.
Sobrinha de Fernão Peres Trava,
Chamoa Gomes era filha da irmã deste, Elvira, e de Gomes Nunes, conde de
Toronho. Além disso, era irmã da minha esposa, Maria Gomes, e, mais importante ainda,
esperava um filho de Afonso Henriques, seu amor antigo. Que interessa o que sabe
Chamoa?, resmungou o Trava. O tio embirrava com a sobrinha, desde que esta se enamorara
de Afonso Henriques. Mas Afonso VII há anos que admirava e desejava a beldade galega.
Chamoa possuía uns olhos verdes luminosos, uns cabelos cor de mel inebriantes, um
olhar de corsa indefesa e gentil, um sorriso alegre e empolgante, um peito
frondoso e coberto de sardas incandescentes. Um mimo de mulher, uma gostosa
fantasia, tão apetitosa para filhar...
As mulheres acreditam muito nestas
intrigas, disse o imperador, já entusiasmado. Há que confundi-la! Antes de minar
as ideias do papa, dos templários ou dos portucalenses, Afonso VII pretendia
baralhar Chamoa, julgando que assim atingiria mais depressa o príncipe de Portugal.
Só que o enervado Trava encolheu os ombros, descrente em tal caminho. Chamoa acompanhava
sempre Afonso Henriques entre Guimarães e Coimbra, não seria fácil denegrir o amado
naquele coração tão dedicado. Sem desistir, o imperador lembrou: O pai dela está
em Tui!
Gomes Nunes encontrava-se no seu
castelo e podiam ir até lá, na aparência para o obrigarem a prestar vassalagem ao
imperador, mas, na realidade, para o elegerem como primeiro portador da poderosa
intriga, crentes de que correria a narrá-la à filha predilecta. Partimos após as
exéquias do arcebispo!, ordenou Afonso VII». In Domingos Amaral, Assim Nasceu
Portugal, Oficina do Livro, Casa das Letras, 2017, ISBN 978-989-741-713-9.
Cortesia da CasadasLetras/JDACT