Urbanismo: o Contexto Europeu
«(…) Na Alemanha
construíram-se assentamentos agrícolas como Gosen ou Muggelheim, entre 1740 e 1786.
Na Rússia, a nova capital, São Petersburgo, iniciada em 1703, é o espelho das
teorias iluministas vigentes e, no reinado de Catarina II (a partir de 1762),
foram feitas várias novas povoações com o objectivo de fixar comunidades
agrícolas em novos territórios e reforçar as conquistas nas costas do Mar
Negro. Horta Correia define do seguinte modo o urbanismo barroco: não há um único urbanismo barroco, mas
várias formas, por vezes convergentes, de desenho urbano na época barroca que
tão-só por necessidade de sistematização e síntese, convencionaremos
associarem-se em duas grandes famílias de cidades; as que alguma coisa devem ao
barroco romano, tal como se concretizou urbanisticamente entre o plano
ordenador de Sisto V e a conclusão da Roma berniniana e onde avultam o efeito
de surpresa, um novo uso da perspectiva, a transferência para o urbanismo de
valores até então especificamente arquitectónicos e uma vivencialidade
teatralizada do efémero, da festa e da própria arquitectura; as que alguma
coisa devem, por genealogia das formas, às cidades ideais do Renascimento em
qualquer das suas vertentes radioconcêntricas ou ortogonais, despidas agora de
conteúdo ideológico mas mantidos os seus princípios no planeamento de cidades
cortesãs, ou os seus modelos nas cidades fortalezas da Europa ou nas cidades de
expansão urbana do Novo Mundo.
É neste último grupo que
o autor encaixa o urbanismo barroco de tradição portuguesa. Os exemplos,
vagamente enumerados nos parágrafos anteriores têm, morfologicamente falando,
raízes várias, mas podem agrupar-se nas duas categorias fundamentais que propõe
Horta Correia. A primeira pode encontrar-se naqueles traçados que privilegiam
os eixos e as referências visuais. Traçados diversificados, baseados em figuras
geométricas, em cruzamentos de eixos e perspectivas, que tiveram nos jardins um
campo de aplicação muito fértil. Experiência precoce deste tipo de urbanismo,
que se irá desenvolver sobretudo nos séculos XVII e XVIII, com a França na
primeira linha, são as reformas ocorridas em Roma durante o pontificado de
Sisto V (1585-1590), com especial relevo para o tridente da Piazza del Popolo.
Este urbanismo barroco, de carácter cenográfico e que submete a arquitectura ao
traçado urbano, está profundamente ligado aos monarcas absolutos, sendo os seus
produtos mais acabados as residências reais (Richelieu e, mais tarde,
Versalhes) e as praças abertas para albergar estátuas equestres, homenageando o
rei (Praça Vendôme). Contudo, a pouco e pouco, e sob influência das Luzes,
outros programas, civis, vão sendo também executados. A segunda consiste na
longa tradição, nascida no período renascentista, da cidade ideal, inspirada em
modelos vitruvianos. A partir do século XVI, e no campo do urbanismo, muitas experiências
foram beber às influências clássicas, reciclando os ensinamentos de Vitruvio.
Vários teóricos,
sobretudo ligados à arquitectura militar (Giorgio Martini, Cattaneo, Scamozzi…),
aplicaram as suas premissas de firmitas,
utilitas e venustas numa
busca pela cidade ideal, em propostas ligadas a aspectos defensivos. Numa
Europa com o tecido urbano consolidado, as oportunidades para pôr em prática
estas ideias escasseiam. Palmanuova, datada de 1593, foi um dos poucos exemplos
realmente construídos. É centrada numa praça hexagonal e limitada por um
sistema abaluartado. Uma componente importante dos vários projectos teóricos
desenvolvidos em torno da cidade ideal é a presença de uma multitude de praças,
que contribuiriam para o desafogo e para o embelezamento das povoações, ao mesmo
tempo que se especializariam em funções da vida pública. Chueca Goitia filia
na teoria renascentista da cidade ideal, nomeadamente de Scamozzi, as cidades
de Grammichele e Avola (erguidas após o terramoto de 1693 na Sicília).
Arquitectura e Urbanismo: o contexto Português
Quanto a Portugal, o
país afastou-se irreversivelmente das influências espanholas, sobretudo a
partir da Restauração, e exibe uma crescente vontade de ser parte integrante da
Europa, fugindo do isolamento forçado da época filipina. O interesse pelas
línguas e literaturas francesa, inglesa e italiana dilata-se a partir do final
da centúria de Seiscentos. A acompanhar tal tendência o barroco (tardiamente surgido)
vai sendo substituído por obras de inspiração neoclássica de influência
francesa ou italiana. Aliás, muita da produção artística, e sobretudo arquitectónica,
do período joanino é fruto da produção de artistas estrangeiros, atraídos ao nosso
país pela oportunidade de servir um monarca e um regime sedentos de fausto e
com uma situação económica bastante confortável. A crise da Restauração havia
recuado e Portugal estava disposto a recuperar o tempo perdido. Este interesse
por acompanhar as tendências exteriores levou também à encomenda de numerosos
elementos gráficos, como gravuras, desenhos, maquetes. Os novos gostos de
feição neoclássica foram impulsionados por diversos factores: os alunos
enviados a Roma, (que faziam os seus estudos na Academia Portuguesa das Artes,
instalada no Palácio Cimarra) e que lá acompanharam a mesma tendência, e as
várias instituições que prestavam serviços na área do ensino artístico, como a Casa
do Risco (com o seu papel preponderante na reconstrução de Lisboa), o Colégio
Real dos Nobres, a Real Fábrica das Sedas, a Imprensa Régia e a Casa Pia». In
Cátia Gonçalves Marques, Departamento de Arquitectura da FCTUC, Junho de 2004.
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