«(…) A elaboração dos monumentos
funerários, enquanto fruto das preocupações dos vivos acerca do seu incerto
futuro, envolvia a existência de condições materiais que os tornassem
possíveis. Eram, assim, os grandes senhores eclesiásticos e leigos quem detinha
os meios necessários à sua construção, visto ela exigir uma mão-de-obra
especializada que era preciso pagar. Contudo, também eram eles os supostos
protagonistas do mundo terreno: reis, nobres e eclesiásticos consideravam-se
como os zeladores da ordem terrena, pelo que consideravam dever ser a sua
memória, verdadeira ou idealizada, que merecia ser perpetuada. No fundo, era a
eles que se dedicavam os livros de linhagens, as crónicas e os relatos da vida
dos santos ou dos proeminentes eclesiásticos. É, portanto, neste contexto que
pretendemos reflectir sobre as marcas do quotidiano inscritas nos monumentos
funerários. O nosso objectivo é a análise do monumento tumular enquanto documento
que apela à decifração do que nele se quis transmitir ao mundo dos vivos e à
Sociedade Celeste. Restringiremos o nosso estudo às imagens de animais
presentes na tumularia, pretendendo indagar como o seu simbolismo se liga à
idealização das representações de uma vida que merecia uma morte santa e exemplar.
O âmbito geográfico do nosso inquérito é o da região de Entre-Douro-e-Minho, a
área onde o mundo senhorial português encontrava raízes mais profundas e onde a
riqueza e o poder se encontravam essencialmente ligados à ruralidade.
Interessa-nos, assim, perceber até que ponto os
notáveis desta região se interessaram por manifestar nos monumentos funerários
que para eles mandaram construir, entre os séculos XIII a XV, a representação
da Natureza, em particular os animais, como forma de explicitarem um quotidiano
marcado por uma forte ligação à terra e aos seus valores. Para tal, começaremos
por realçar as manifestações de personalização da morte que se encontram na
generalidade dos túmulos. Segundo Mário Jorge Barroca, a personalização do
sepulcro no Entre-Douro-e-Minho encontra as suas raízes no século XI,
acrescentando o autor que, no entanto, ela só se viria a impor no segundo
quartel da centúria seguinte. A primeira forma de personalização dos túmulos
manifesta-se na sua decoração. Inicialmente titubeante, com decorações
figurativas incipientes constituiu, desde logo, um marco distintivo dos
sepulcros. Encontramo-los, assim, decorados com elementos que procuravam
transmitir a condição social do defunto em vida, como as representações de
espadas e cavalos que remetem para a classe dos homens-de-armas. Outras
figurações, como a da tampa tumular da igreja do antigo mosteiro de Paço de
Sousa, onde se representa um abade, são mais elucidativas, visto nela se
associar directamente ao defunto um báculo abacial.
Convirá referir que estes primeiros esboços de imagens
de uma morte personalizada se apresentam associados à existência de Obituários,
onde se registava, conjuntamente com o nome do defunto, a notícia descritiva da
decoração do seu túmulo, permitindo conservar a sua identificação e a
perpetuação da memória do defunto, ao mesmo tempo que se garantiam as
celebrações rituais prescritas por este em vida. Como veremos, a ornamentação
dos túmulos foi-se tornando cada vez mais elaborada, encontrando-se na arte funerária
do Entre-Douro-e-Minho alguns dos monumentos escultórios mais notáveis da nossa
medievalidade. Outra forma de personalização dos sepulcros encontra-se nas
epígrafes que constituíram uma das formas mais directas e eficazes de o
efectuar. Segundo Mário Jorge Barroca, foi durante os séculos XII e XIII,
quando a personalização dos monumentos funerários se afirma de forma decisiva,
que surge um grande número de epígrafes. No entanto, o uso do epitáfio já se
vinha afirmando desde o século XI, restringindo-se, numa primeira fase, aos
nobres e, alargando-se, posteriormente, aos clérigos, tornando-se estes dois
grupos sociais os detentores exclusivos das epígrafes durante quase toda a
Idade Média, visto a penetração do epitáfio nos meios não nobilitados ou
privilegiados da sociedade do Entre-Douro-e-Minho, ser um acontecimento tardio,
que só se verifica no século XIV.
Convirá referir que estes primeiros esboços de imagens
de uma morte personalizada se apresentam associados à existência de Obituários,
onde se registava, conjuntamente com o nome do defunto, a notícia descritiva da
decoração do seu túmulo, permitindo conservar a sua identificação e a
perpetuação da memória do defunto, ao mesmo tempo que se garantiam as
celebrações rituais prescritas por este em vida. Como veremos, a ornamentação
dos túmulos foi-se tornando cada vez mais elaborada, encontrando-se na arte funerária
do Entre-Douro-e-Minho alguns dos monumentos escultórios mais notáveis da nossa
medievalidade. Outra forma de personalização dos sepulcros encontra-se nas
epígrafes que constituíram uma das formas mais directas e eficazes de o
efectuar. Segundo Mário Jorge Barroca, foi durante os séculos XII e XIII,
quando a personalização dos monumentos funerários se afirma de forma decisiva,
que surge um grande número de epígrafes. No entanto, o uso do epitáfio já se
vinha afirmando desde o século XI, restringindo-se, numa primeira fase, aos
nobres e, alargando-se, posteriormente, aos clérigos, tornando-se estes dois
grupos sociais os detentores exclusivos das epígrafes durante quase toda a
Idade Média, visto a penetração do epitáfio nos meios não nobilitados ou
privilegiados da sociedade do Entre-Douro-e-Minho, ser um acontecimento tardio,
que só se verifica no século XIV». In Pedro Chambel, Marcas do Quotidiano nos Monumentos Funerários. A Representação de
Animais na Tumulária Medieval do Entre-Douro-e-Minho, Instituto de Estudos
Medievais, IEM, Ano 1, N º 1, 2005, ISSN 1646-740X.
Cortesia de
RMedievalista/JDACT