segunda-feira, 21 de maio de 2018

A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal. François Soyer. «Para reforçar ainda mais a sua separação física dos habitantes cristãos, foram erguidos muros e portões em redor desses bairros»

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Manuel I e o fim da tolerância religiosa (1496 - 1497)
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Os judeus
Os primórdios da fixação judaica na Península Ibéria estão envoltos em lendas posteriores. A partir do século XI, vários autores judeus fazem remontar as origens dos judeus sefardiças à destruição do Segundo Templo de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C., e às vezes até mesmo à destruição do Primeiro Templo, no século VI a.C., por Nabucodonosor, o rei da Babilónia. Depois das suas vitórias, estes conquistadores terão deportado milhares de judeus para a Espanha. A autenticidade histórica destas afirmações é, obviamente, impossível de confirmar. Como todos os mitos fundadores, estes relatos serviam o duplo propósito de fornecer aos judeus ibéricos uma lenda de origem que estabelecesse as suas ligações à história comum de todos os judeus e, ao mesmo tempo, os distinguisse dos seus correligionários fora da Península Ibérica.
Além das lendas e do folclore, a única certeza é que a presença judaica na Ibéria antecede, em muitos séculos, não só a conquista islâmica mas também a fundação de Portugal. A hipótese mais provável é a de que a fixação de judeus na Península Ibérica tenha ocorrido no primeiro ou segundo séculos da era cristã, quando membros da diáspora judaica se espalharam pelo Império Romano. Já no início do século IV, em 303 ou 306 d.C.. o Concilio de Elvira promulgara legislação antijudaica. A prova arqueológica mais antiga confirmando a existência de judeus na Península Ibérica é uma inscrição descoberta em Toledo e datada do século III d.C.. Por outro lado, os indícios arqueológicos do estabelecimento de judeus na região que mais tarde viria a ser o reino medieval de Portugal remontam ao reino visigótico pós-romano. Uma estela funerária com inscrições hebraicas descoberta em Espiche, perto de Lagos no Algarve, foi datada dos séculos VI ou VII d.C.. Mais recentemente, uma inscrição lapidar em latim exibindo a representação de um candelabro de sete braços, ou menörah, e datada de 480 d.C., foi descoberta em Mértola, no Alentejo.
Entre os séculos VIII e XI, não existem quaisquer dados referentes a judeus vivendo ao longo da costa atlântica da Península Ibérica. Só podemos presumir que os judeus nesta zona permaneceram in situ depois da rápida conquista islâmica de 711-715 e, como outras comunidades judaicas na Península, certamente se adaptaram ao novo poder. Sob o domínio muçulmano, os judeus da região que mais tarde seria Portugal ter-se-iam juntado à população cristã local como dhimmis: povos do Livro protegidos que beneficiavam da tolerância oficial em troca de um imposto individuai especial: a jizya. A primeira prova documental de judeus estabelecidos na zona é uma referência casual a habitantes judeus em Coimbra em 950, durante o período em que aquela cidade se encontrava sob o domínio cristão. O foral de Santarém em 1095 incluía uma lei punindo o homicídio de judeus. Outros forais confirmam plenamente a presença de judeus em Coimbra durante os séculos XI e XII. No entanto, não se sabe se estes judeus chegaram com os conquistadores cristãos ou se pertenciam à população local das cidades conquistadas.

Organização comunitária: judiarias, mourarias e comunas
Os documentos em língua portuguesa dos séculos XIV e XV distinguiam claramente dois conceitos: as comunas de judeus ou de mouros e a judiaria e a mouraria. Embora comuna e judiaria/mouraria sejam muitas vezes confundidas, estes termos, na verdade, tinham dois significados muito diferentes.

Judiarias e mourarias
Os documentos régios e não régios empregavam as palavras judiaria e mouraria para designar zonas geográficas em cidades, ruas, subúrbios e bairros, onde residiam habitantes judeus e muçulmanos. Inicialmente, estes termos foram usados provavelmente para descrever áreas onde membros de uma comunidade tendiam naturalmente a agrupar-se. No século XIV, contudo, as judiarias e mourarias tornaram-se zonas segregadas onde judeus e muçulmanos eram obrigados por lei a residir. Pedro I (1357-1367) decretou, em 1361, que, sempre que a população de qualquer das minorias ultrapassasse os dez indivíduos, estes deviam a partir de então residir apenas nas suas respectivas judiarias ou mourarias. Os membros de ambas as minorias eram obrigados a permanecer nos seus bairros depois de os sinos das igrejas tocarem para as vésperas ao cair da noite e não podiam sair, sob pena de uma pesada multa ou um açoite público para os reincidentes. Para reforçar ainda mais a sua separação física dos habitantes cristãos, foram erguidos muros e portões em redor desses bairros. As judiarias e mourarias maiores gozavam de mais serviços comunitários. As comunidades judaica e muçulmana de Lisboa tinham os seus próprios talhos, hospitais, escolas, banhos públicos e, nalguns casos, até bordéis e prisões. Um cemitério comunitário isolado situava-se, normalmente, a alguma distância da judiaria ou da mouraria». In François Soyer, A Perseguição aos Judeus e Muçulmanos de Portugal, 2007, Edições 70, 2013, ISBN 978-972-441-709-7.

Cortesia de E70/JDACT