quinta-feira, 31 de maio de 2018

No 31. O Número de Deus. José L. Corral. «O intenso azul das terras do Midi tornava-se num esvaído azul-esbranquiçado. Mas os campos de searas e a paisagem monótona e ondulada continuavam a dominar tudo»

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O Algarismo e o Número
«(…) Durante várias semanas viajaram para norte, sempre pelo Caminho Francês; quando perderam de vista os Pirenéus, a paisagem tornou-se monótona: suavíssimas colinas a meio de uma planície infinita coberta de campos de trigo, nos quais de vez em quando se destacava a torre de uma igreja ou um castelo no alto de urna suave colina. Nas encruzilhadas e nas margens dos rios agrupavam-se numerosos casarios de tamanhos muito diversos; alguns eram apenas pequenas aldeias de pouco mais de uma dúzia de casas e outros configuravam-se aglomerações tão grandes como Burgos, e até maiores. Muitas dispunham de fortalezas imponentes construídas com pedras bem talhadas, ornadas de torreões poderosíssimos lavrados em pedras tão brancas que reflectiam os raios do Sol como se de um espelho de azougue se tratasse. Essas cidades possuíam magníficas igrejas e catedrais, todas elas construídas no velho estilo românico, mas todos os bispos dessas dioceses aspiravam construir em breve novas catedrais, tal como as que estavam a ser erguidas a norte do rio Loire.
A Aquitânia tinha sido um grande Estado autónomo, rico e poderoso, onde a riqueza e o bem-estar haviam florescido por todo o lado. Muita gente ainda recordava os tempos em que Leonor, a sua excelsa duquesa, reunia na sua refinada Corte dezenas de trovadores que rivalizavam na beleza das suas composições. Havia apenas meio século que a mulher que ostentara sucessivamente as coroas reais de França e de Inglaterra tinha feito da Aquitânia a terra do amor, do luxo e do estilo de vida mais refinado que o Ocidente havia conhecido.
Os trovadores ainda poetizavam as façanhas daquela portentosa mulher que, seguindo o seu primeiro marido, o rei Frederico de França, até à Terra Santa, tinha levantado o ânimo aos abatidos cruzados mostrando o seu peito nu e a sua maravilhosa cabeleira ao vento, montando o seu cavalo à frente dos soldados de Cristo. Os últimos jograis cantavam nas esquinas das praças das cidades e nos pátios dos palácios e castelos a paixão amorosa de Leonor de Aquitânia e Henrique de Inglaterra, cujo amor venceu o mundo, e a energia que manteve, já anciã, para sustentar sobre os seus delicados e envelhecidos ombros os direitos ao trono do seu filho, o rei Ricardo Coração de Leão.
A grande dama das cortes de amor e dos cavaleiros galantes, a mulher que tinha assombrado a Europa, jazia agora, dormindo o seu sono eterno, na Abadia de Fontevrault, num sarcófago de pedra policromada ao lado dos túmulos das duas paixões da sua vida, o marido, o rei Henrique II de Inglaterra, e o seu filho Ricardo, o Coração de Leão.
A norte do Loire o céu era menos luminoso. O intenso azul das terras do Midi tornava-se num esvaído azul-esbranquiçado. Mas os campos de searas e a paisagem monótona e ondulada continuavam a dominar tudo». In José Luís Corral, O Número de Deus, 2004, O Segredo das Catedrais Góticas, Planeta Editora, Lisboa, 2006, ISBN 972-731-185-7.

Cortesia de Planeta Editora/JDACT