segunda-feira, 21 de maio de 2018

O Templário d’el Rei. António B. Vicente. «De toda a parte nos chegam lições de vida, de conhecimento, de sabedoria e de simplicidade»

jdact

O caminho da Esperança. Catalunha. Dezembro de 1269
«(…) Ah! Se ao menos me tenho quedado pelas orações, frei Arnaldo..., ia recitando para si próprio, enquanto remexia no braseiro que se cobria de uma ténue camada de cinza esbranquiçada… Se a felicidade reside no contacto com Deus, por que motivo me não contentei com as preces que lhe dirigia, certo de que Ele sempre estaria atento, como tão bem nos ensinou o nosso santo padre Agostinho? Porque, para além disso, soubestes estar atento à manifestação das Suas obras, frei Gil, retorquiu-lhe o cavaleiro e acrescentou: meu bom amigo, como soubestes cumprir um dos preceitos que o mentor da Ordem em que milito nos propôs... Quem não medita não se julga com severidade, porque não se conhece. Mas de que serve conhecermo-nos tão profundamente, se esse conhecimento apenas nos traz mais ânsia de saber? Porque para atingirmos a perfeição temos necessidade da meditação e da oração. Pela meditação conhecemos o que nos falta, e pela súplica recebemos o que nos é necessário. Somos homens de sorte, a quem Deus privilegiou, frei Gil. De toda a parte nos chegam lições de vida, de conhecimento, de sabedoria e de simplicidade. Passam por nós como rajadas de Luz sem que as consigamos distinguir, pois estamos tão cegos como os Hebreus no deserto do Sinai, quando com o Seu fogo talhou a Lei nas duas pedras sagradas. Também nós, frei Gil, continuamos a construir e a adorar ídolos de ouro, enquanto por nós passam centelhas da verdade, sem que dela nos apercebamos. Acreditais, frei Arnaldo, vós também, que a verdade se esconda entre as coisas simples, de forma camuflada, mostrando sinais e formas que só os puros conseguem distinguir? Certamente, frei Gil. Foi, aliás, o próprio Bernardo Claraval quem nos ensinou que encontraremos mais coisas nas florestas do que nos livros, pois as árvores e as pedras nos ensinarão mais do que qualquer mestre poderá fazer.
Razáo tereis, frei Arnaldo, razão tereis, mas pesa-me o ouro que eu e os meus irmãos guardamos nesta igreja. Pesa-me o trigo e o vinho arrancado aos camponeses e que enche as nossas tulhas. Ou ignorais que foi o vosso santo padre Bernardo quem ensinou que se a pobreza não fosse um grande bem, Jesus Cristo não a teria escolhido para si, nem a teria deixado em herança para os seus preferidos? E que me direis dos que acusam os filhos de S. Francisco de heresia porque insistem em imitar o seu rigor de vida e de pobreza, à semelhança de Jesus, quando afirmou que se queres ganhar o Reino dos Céus, larga tudo o que tens e segue-me? Só Deus sabe quanto essa perseguição me pesa e..., e pesará, frei Gil. Elevemos o nosso espírito ao Pai Eterno, Irmão, que se aproxima a hora de completas e deveremos estar prontos para o louvar à hora de Matinas». In António Balcão Vicente, O Templário d’El-Rei, Ésquilo, Lisboa, 2010, ISBN 978-989-809-288-5.

Cortesia de Ésquilo/JDACT