segunda-feira, 28 de maio de 2018

Poesia. Erotismo. Maria Tereza Horta. «Que trigo boca se doba na manhã? Que lentidão se acende na garganta?»

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Perguntas
«Que suspensa
morte
se levanta?

Que trigo boca
se doba
na manhã?

Que lentidão
se acende
na garganta?

Que gado é este
comendo
a sua lã?

Lassa a maneira
do cristal do tempo
laço do corpo a nascer na roupa

Rente à nudez
que te mostro aberta
demora as mãos numa carícia louca

Nardo a crescer
já perto dos meus
seios

Seta dormente
já rente
dos meus lábios

Que lentidão
secreta
nos defende?

Que loucura
secreta
nos invade?

Perversa imagem
a minha
nos teus olhos

Talvez um espanto
uma incerteza
breve

Uma tontura leve
que nos prende
dentro do gesto que feito não nos serve

Mas já nos toma
a sede
da voragem

Mas já os dedos
vão
na sua arte

Os meus em mim
e os teus tão devagar
que em mim desfolham e em ti se alastram

Seda das coisas
onde se penetra
piscina funda de nadarmos sós

Se o caminhar em nós é tão secreto
como descer ainda mais degraus
para caminhos ainda mais desertos?»
Poemas de Maria Teresa Horta, in ‘As Palavras do Corpo

In Maria Teresa Horta, As Palavras do Corpo, Publicações dom Quixote, Lisboa, 2014, ISBN 978-972-204-903-0.

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