quinta-feira, 31 de maio de 2018

No 31. Joana. A Louca. Linda Carlino. «Nem eu, mãe?, perguntou Joana de ânimo leve, sabendo que sempre fora e sempre seria uma substituta secundária das irmãs no coração da mãe»

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«(…) Da catedral até à casa de Beatriz, a marquesa de Moya, era uma curta distância. Era aí que se iriam alojar durante a estada em Toledo. Fernando, Joana e Filipe passaram da luz brilhante e do calor do Sol e do ruído da multidão para a sombria sala do trono. Das paredes pendiam tapeçarias mostrando a prisão de Cristo, a lavagem dos pés e Pôncio Pilatos atormentado pela sua dúvida. Não era uma atmosfera muito alegre para receber o jovem e orgulhoso casal. Sobre um estrado ao fundo da sala, via-se uma velha curvada, sentada no trono. Joana engoliu em seco. Isabel, com um aspecto velho e doente, trajava inteiramente de negro, à excepção de uma gola com pequenos motivos de setas douradas, incrustadas de rubis e pérolas. Apenas duas damas acompanhavam a mãe: a sua amiga de longa data, Beatriz, e a homónima de Joana, filha natural de Fernando.
Joana contemplou a mãe que pensara não voltar a ver. O tempo e os acontecimentos haviam desafiado selvaticamente aquela rainha, em tempos invencível. O corpo apresentava-se pesado e inchado, o rosto flácido e profundamente enrugado, o cabelo grisalho. Joana tentou pegar na mão da mãe para o beijo tradicional, mas Isabel impediu-a e, levantando-se com dificuldade, desceu os degraus penosamente. Minha querida filha! Isabel abraçou-a, apertando-a contra o amplo peito, beijando-a e chorando. E o nosso filho Filipe. Príncipe, sois muito bem-vindo. Fez-lhe sinal para que se aproximasse, para receber o abraço de boas-vindas. Espero que estejais totalmente recuperado.
Também ele se ofereceu para lhe beijar a mão, mas ela retirou-a para lhe poder apertar os braços numa demonstração de afecto. Joana traduziu a breve conversa. Bom, Filipe tem de ficar com o rei, enquanto eu vos guardo para mim, minha filha. Santo Deus, já não sois uma menina, mas uma mãe. Vamos para os nossos aposentos. Caminharam juntas, de braço dado, lentamente; cada passo era para Isabel uma agonia. Uma vez no quarto e instalada confortavelmente com Joana a seus pés, começou a interrogá-la. Estava ansiosa por notícias dos três pequeninos deixados em Bruxelas. Eram saudáveis, com quem se pareciam, quando teria os seus retratos e, ainda mais importante, quando viriam a Espanha?
Depois vieram as perguntas difíceis. Isabel exigia a verdade sobre o comportamento de Filipe para com Joana, as obrigações religiosas da filha, auto-impostas ou não. Especificou os inúmeros rumores que guardara cuidadosamente ao longo dos anos. Joana sentiu-se em terreno movediço, pois as informações eram de uma precisão desoladora. Não se atrevia a responder, preferindo negar a importância das perguntas. Preocupais-vos demasiado. Essas coisas, muitas exageradas, pertencem todas ao passado e devem ser esquecidas. Contai-me sobre vós, pois haveis sofrido muito mais que eu.
Isabel decidiu não insistir e, afinai, a filha pareceu-lhe bem e feliz. Falou-lhe das mortes trágicas da família e de como cada uma tinha sido um punhal espetado no seu coração. E as minhas irmãs, Maria e Catarina? Estão ambas casadas e de boa saúde e as cartas delas dão-me um grande consolo. Mas sinto-me muito só. Não há solidão que se compare à de um lar vazio. Tenho uma profunda dor no coração que nada alivia e nada consegue tirar-me este terrível peso da mágoa. Nem eu, mãe?, perguntou Joana de ânimo leve, sabendo que sempre fora e sempre seria uma substituta secundária das irmãs no coração da mãe». In Linda Carlino, That Other Joana, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, ISBN 978-972-234-231-5.

Cortesia de EPresença/JDACT