Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) Que horas são lá..., do
outro lado?, havíamos nos interrogado sobre a natureza dos vínculos que se
estabeleceram desde o século XVI entre o Novo Mundo e o mundo muçulmano. Essas
regiões foram então confrontadas com os primeiros efeitos da expansão europeia
sobre o globo. Colombo estava convencido de que a sua descoberta forneceria o
ouro com o qual os cristãos retomariam Jerusalém e esmagariam o islão. O Império
Otomano, por sua vez, se inquietava por ver um continente desconhecido pelo Alcorão
e pelos sábios do islão entregue à fé e à rapacidade dos cristãos. Não se
poderia abordar a globalização que progressivamente fez do globo o cenário de
uma história comum sem considerar o que se deu desde essa época entre terras do
islão, da Europa e da América. Mas será suficiente? Se a adjunção de uma quarta
parte do mundo é o registo de nascimento da globalização ibérica, a irrupção da
China nos horizontes europeus e americanos constitui outra perturbação. O facto
de ela ter sido, com poucos anos de diferença, contemporânea ao descobrimento
do México deveria ter chamado nossa atenção mais cedo, mas o nosso olhar, por
longo tempo retido pela Mesoamérica, havia esquecido que ela não é o extremo do
mundo: como repetiam os antigos mexicanos, é o meio. No século XVI, por duas
vezes os ibéricos visaram conquistar a China. Mas o desejo deles nunca se
realizou. Parafraseando o título da célebre peça de Jean Giraudoux, A guerra
da China não acontecerá. Alguns, um pouco tarde, lamentarão isso. Outros,
junto connosco, reflectirão sobre aquilo que nos ensinam essas veleidades de
conquista, contemporâneas da colonização das Américas e da exploração do oceano
Pacífico. China, Pacífico, Novo Mundo e Europa ibérica são os protagonistas de
uma história que surge do seu encontro e enfrentamento. Essa história se resume
numa simples frase: no mesmo século, os ibéricos falham na China e têm êxito na
América. É isso que nos é revelado por uma história global do século XVI,
concebida como outra maneira de ler o Renascimento, menos obstinadamente euro-centrada
e, sem dúvida, mais em harmonia com o nosso tempo.
Dois
Mundos Tranquilos
Em 1520, Carlos V, Francisco I e
Henrique VIII são os astros ascendentes da cristandade latina. Regente de
Castela desde 1517, sagrado rei da Germânia em 1520, Carlos de Gand nasceu com
o século. Francisco I torna-se rei da França em 1515 e Henrique VIII, da Inglaterra
em 1509. Em Portugal, o velho Manuel I, o Venturoso, ainda tem força suficiente
para contrair novas núpcias, agora com a irmã do rei Tudor. Diante dos rivais
franceses e ingleses, Carlos de Gand e Manuel I alimentam ambições oceânicas
que projectam os seus reinos em direcção a outros mundos. Em Novembro de 1519,
um aventureiro espanhol, Hernán Cortés, à frente de uma pequena tropa de
infantes e de cavaleiros, entra em México-Tenochtitlán. Em Maio de 1520, uma
embaixada portuguesa, de efectivos ainda mais modestos, penetra em Nanjing. É
nessa cidade que o emissário Tomé Pires é recebido pelo imperador da China,
Zhengde». In Serge Gruzinski, A Águia e o Dragão, Edições 70, 2015, ISBN
978-972-441-844-5.
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