sábado, 26 de outubro de 2019

O Amante de lady Chatterley. D. H. Lawrence. «Connie, contudo, sentia dentro de si uma inquietação crescente. Em virtude do seu afastamento de todas as coisas, uma inquietação apossava-se dela como se fosse demência…»

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«(…) Clifford tinha bastante amigos, mais conhecidos do que amigos, que convidava para Wragby. Convidava todos os tipos de pessoas, críticos, escritores, pessoas que contribuíam para que os seus livros fossem elogiados. Todos se sentiam lisonjeados pelo convite para Wragby, e elogiavam realmente. Connie entendia tudo perfeitamente. Mas porque não? Era uma das transitórias imagens do espelho. Não via nisso nenhum inconveniente. Recebia todas aquelas pessoas, na sua maioria homens. Recebia igualmente as poucas relações aristocráticas de Clifford. Com a sua doçura e o seu bom aspecto de rapariga do campo, com tendência para as sardas, com os grandes olhos azuis e o cabelo castanho encaracolado e uma voz suave, o torso feminino, mas forte, era considerada um pouco antiquada e demasiado feminina. Não era um esqueleto, nem tinha peito e nádegas de rapazinho. Era demasiado mulher para ser completamente elegante. Por isso os homens, especialmente os não jovens, eram muito gentis para com ela. Mas, sabendo a tortura que Clifford poderia sentir à menor suspeita de devaneio amoroso da sua parte, não lhes dava absolutamente nenhum encorajamento. Era tranquila e distante, não tinha nenhum contacto com eles nem tencionava tê-lo. Clifford sentia-se extraordinariamente orgulhoso.
A família de Clifford tratava-a de uma forma muito gentil. Sabia que essa gentileza não era mais do que falta de medo, pois esse tipo de pessoas só respeitam aqueles que receiam. Também não tinha contacto com eles, deixava-os ser amáveis e desdenhosos, deixava-os sentir que não precisavam de se pôr em defesa. Estava completamente longe deles. O tempo passava. Tudo o que acontecia não era nada, porque ela estava fora de todas as coisas. Ela e Clifford viviam as suas ideias e os livros dele. Ela recebia, pois havia sempre visitas em casa. O tempo passava, como num relógio. Eram oito e meia em vez de sete e meia.

Connie, contudo, sentia dentro de si uma inquietação crescente. Em virtude do seu afastamento de todas as coisas, uma inquietação apossava-se dela como se fosse demência, contraía-lhe os membros quando não queria, fazia-a levantar-se quando preferia ficar confortavelmente sentada; vibrava dentro dela, no ventre, por todo o corpo, até sentir que tinha de se atirar à água para se libertar. Era uma inquietação exasperada. Fazia bater o coração com muita força e sem razão. E estava a emagrecer. Era apenas inquietação. Queria correr pelo parque, abandonar Clifford e deitar-se de barriga para baixo nos fetos. Fugir daquela casa, tinha de fugir daquela casa e das pessoas. O bosque era o seu único refúgio, o seu santuário. Mas não era realmente um refúgio, um santuário, porque ela não tinha nada a ver com ele. Era apenas o lugar para onde podia ir libertar-se do resto. Nunca esteve em contacto com o espírito do bosque, se é que tal absurdo existia. Sabia vagamente que, de certo modo, se estava a desfazer física e mentalmente. Sabia vagamente que estava fora de tudo, que tinha perdido o contacto com o mundo real e vital. Só Clifford e os seus livros, que não existiam, vazios por dentro do vazio. Tinha consciência de tudo isto, vagamente. Mas era como bater com a cabeça contra uma pedra». In D. H. Lawrence, O Amante de lady Chatterley, 1928, Relógio D’Água Editores, Ficções, 2011, ISBN 978-972-708-848-1.
                  
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