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«(…) Clifford tinha bastante
amigos, mais conhecidos do que amigos, que convidava para Wragby. Convidava
todos os tipos de pessoas, críticos, escritores, pessoas que contribuíam para
que os seus livros fossem elogiados. Todos se sentiam lisonjeados pelo convite
para Wragby, e elogiavam realmente. Connie entendia tudo perfeitamente. Mas
porque não? Era uma das transitórias imagens do espelho. Não via nisso nenhum
inconveniente. Recebia todas aquelas pessoas, na sua maioria homens. Recebia
igualmente as poucas relações aristocráticas de Clifford. Com a sua doçura e o
seu bom aspecto de rapariga do campo, com tendência para as sardas, com os
grandes olhos azuis e o cabelo castanho encaracolado e uma voz suave, o torso
feminino, mas forte, era considerada um pouco antiquada e demasiado feminina.
Não era um esqueleto, nem tinha peito e nádegas de rapazinho. Era demasiado
mulher para ser completamente elegante. Por isso os homens, especialmente os
não jovens, eram muito gentis para com ela. Mas, sabendo a tortura que Clifford
poderia sentir à menor suspeita de devaneio amoroso da sua parte, não lhes dava
absolutamente nenhum encorajamento. Era tranquila e distante, não tinha nenhum
contacto com eles nem tencionava tê-lo. Clifford sentia-se extraordinariamente
orgulhoso.
A família de Clifford tratava-a
de uma forma muito gentil. Sabia que essa gentileza não era mais do que falta
de medo, pois esse tipo de pessoas só respeitam aqueles que receiam. Também não
tinha contacto com eles, deixava-os ser amáveis e desdenhosos, deixava-os
sentir que não precisavam de se pôr em defesa. Estava completamente longe
deles. O tempo passava. Tudo o que acontecia não era nada, porque ela estava
fora de todas as coisas. Ela e Clifford viviam as suas ideias e os livros dele.
Ela recebia, pois havia sempre visitas em casa. O tempo passava, como num
relógio. Eram oito e meia em vez de sete e meia.
Connie, contudo, sentia dentro de
si uma inquietação crescente. Em virtude do seu afastamento de todas as coisas,
uma inquietação apossava-se dela como se fosse demência, contraía-lhe os
membros quando não queria, fazia-a levantar-se quando preferia ficar
confortavelmente sentada; vibrava dentro dela, no ventre, por todo o corpo, até
sentir que tinha de se atirar à água para se libertar. Era uma inquietação
exasperada. Fazia bater o coração com muita força e sem razão. E estava a emagrecer.
Era apenas inquietação. Queria correr pelo parque, abandonar Clifford e deitar-se
de barriga para baixo nos fetos. Fugir daquela casa, tinha de fugir daquela casa
e das pessoas. O bosque era o seu único refúgio, o seu santuário. Mas não era
realmente um refúgio, um santuário, porque ela não tinha nada a ver com ele.
Era apenas o lugar para onde podia ir libertar-se do resto. Nunca esteve em
contacto com o espírito do bosque, se é que tal absurdo existia. Sabia
vagamente que, de certo modo, se estava a desfazer física e mentalmente. Sabia
vagamente que estava fora de tudo, que tinha perdido o contacto com o mundo
real e vital. Só Clifford e os seus livros, que não existiam, vazios por dentro
do vazio. Tinha consciência de tudo isto, vagamente. Mas era como bater com a
cabeça contra uma pedra». In D. H. Lawrence, O Amante de lady Chatterley, 1928, Relógio
D’Água Editores, Ficções, 2011, ISBN 978-972-708-848-1.
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