Cortesia
de wikipedia e jdact
«Quem
não duvidaria ao ouvir um homem afirmar que passou um fim de semana inteiro com
Deus e, ainda mais, numa cabana? Principalmente naquela cabana. Conheço Mack há
pouco mais de 20 anos, desde o dia em que nós dois fomos à casa de um vizinho
para ajudá-lo a enfardar feno para as suas poucas vacas. A partir de então nós
estávamos compartilhando um café, ou, para mim, um chá tailandês superquente,
com soja. As nossas conversas nos dão um gosto profundo e são sempre salpicadas
de muito riso e de vez em quando de uma ou duas lágrimas. Francamente, quanto
mais velhos ficamos, mais nós nos damos bem, se é que me entende. O nome
completo dele é Mackenzie Allen Phillips, mas a maioria das pessoas chama-o de
Allen. É uma tradição de família: todos os homens têm o primeiro nome igual,
mas são conhecidos pelo nome do meio, provavelmente para evitar a ostentação do
I, II e III ou Júnior e Sénior. Assim, ele, o avô, o pai e agora o filho mais
velho têm o nome de Mackenzie, mas só Nan, a mulher dele, e os amigos íntimos o
chamam de Mack. Ele nasceu numa fazenda do Meio-Oeste, numa família irlandesa-americana
de mãos calejadas e regras rigorosas. Ainda que aparentemente religioso e exageradamente
rígido,o seu pai bebia muito, sobretudo quando a chuva não vinha ou quando
vinha cedo demais, e quase sempre entre uma coisa e outra. Mack nunca fala muito
sobre o pai, mas quando o menciona a emoção abandona o seu rosto, como se fosse
uma maré vazante, deixando seus olhos sombrios e sem vida. Pelo pouco que Mack
me contou, sei que o seu pai não era o tipo de alcoólatra que cai num sono rápido
e feliz, e sim um bêbado perverso que batia na mulher e depois pedia perdão a
Deus. A coisa, chegou a tal ponto que, aos 13 anos e com certa relutância, Mack
abriu o coração para um líder da igreja durante um encontro de jovens. Dominado
pelo clima do momento, Mack confessou chorando que nunca fizera nada para
ajudar a mãe nas várias vezes em que testemunhara o pai bêbado lhe dar uma
surra até deixá-la inconsciente. O que Mack não pensou foi que o seu confessor
frequentava a mesma igreja que o seu pai. Quando chegou em casa, o pai esperava-o
na varanda e a mãe e as irmãs não estavam. Mais tarde, Mack ficou sabendo que elas
tinham sido mandadas à casa da tia May para que o pai pudesse ter liberdade
para dar ao filho rebelde uma lição inesquecível. Durante quase dois dias,
amarrado ao grande carvalho nos fundos da casa, ele foi castigado com um cinto
e com versículos da Bíblia todas as vezes que o pai acordava da sua bebedeira e
largava a garrafa. Duas semanas depois, quando enfim conseguiu ficar em pé,
Mack simplesmente se levantou e foi embora de casa. Mas antes de partir colocou
veneno de rato em cada garrafa de bebida que conseguiu encontrar na fazenda.
Depois desenterrou de perto da latrina externa a pequena lata onde guardava
todos os seus tesouros: uma foto da família em que o pai estava meio afastado,
uma figurinha de beisebol do Luke Easter de 1950, uma garrafinha com mais ou
menos 30ml de Ma Griffe, o único perfume que a sua mãe havia usado, um carrinho
de linha e duas agulhas, um pequeno jacto F-86 da Força Aérea americana em
metal fundido e todas as economias de sua vida: 15 dólares e 13 centavos.
Esgueirou-se pela sala e enfiou um bilhete debaixo do travesseiro da mãe,
enquanto o pai roncava, curtindo mais uma bebedeira. O bilhete dizia
simplesmente: um dia espero que me possa perdoar. Jurou que nunca mais olharia
para trás e não olhou, durante um longo tempo. Treze anos é muito pouco, porém
Mack não tinha muitas opções e se adaptou rapidamente. Ele não fala muito sobre
os anos seguintes. A maior parte foi passada fora do país, trabalhando pelo
mundo, mandando dinheiro para os avós, que o repassavam à mãe. Acho que num
desses países distantes chegou a pegar em armas e participar de algum conflito
terrível; desde que o conheço, ele odeia a guerra com um fervor sinistro. Seja
lá o que for que tenha acontecido, aos 20 e poucos anos foi parar num seminário
na Austrália. Quando Mack se fartou de teologia e filosofia, retornou aos
Estados Unidos, fez as pazes com a mãe e as irmãs e mudou-se para o Oregon,
onde conheceu Nannete A. Samuelson e se casou com ela. Neste mundo de
faladores, Mack é pensador e fazedor. Não diz muita coisa, a não ser que alguém pergunte, o que pouca gente
faz. Quando fala, dá a impressão de ser uma espécie de alienígena que vê a
paisagem das ideias e experiências humanas de modo diferente de todas as outras
pessoas […]». In Prefácio
In William Paul Young, A Cabana, 2007, Porto
Editora, 2009, 2018, ISBN 978-972-004-178-4.
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