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de wikipedia e jdact
As
Cruzadas
«(…) Tal como havia previsto, ele
parou de repente e olhou primeiro para o rosto dela, inquiridor, procurando por
aquele sorriso que ela exibia ao falar brincando, à sua maneira toda especial. Mas
ele entendeu logo que ela falava sério e, então, a raiva se apossou dele com
tal intensidade que por pouco não lhe deu uma bofetada, que seria a primeira,
se eles não estivessem entre amigos e inimigos e todo aquele povão. Você está
fora de si, mulher! Se não fosse pelo facto de ter herdado Varnhem, ainda hoje estaria
apodrecendo no mosteiro. E foi por causa de Varnhem que nos casámos. Foi no
último momento que ele se conteve e acabou falando baixo, mas entre dentes, os
lábios fortemente contraídos. Sim, isso é verdade, meu querido marido,
respondeu ela, com o olhar virtuosamente baixo. Se eu não tivesse herdado
Varnhem, os seus pais teriam escolhido outra pretendente. Nesse caso, é
verdade, eu seria agora uma freira, mas é verdade também que nem Eskil nem essa
nova vida que carrego abaixo do meu coração existiriam se não fosse por
Varnhem. Magnus não respondeu. Parecia estar pensando na escolha das palavras
certas para expressar a sua raiva. E, nesse momento, chegou Sot, trazendo pela
mão Eskil, que imediatamente correu na frente e pegou a mão da sua mãe e
começou a falar rápido e alto de tudo o que tinha visto lá dentro na catedral.
Depois de ter sido obrigado a ficar calado e quieto por tanto tempo, ele falava
agora como se as palavras jorrassem como a água de uma represa quando é aberta
na Primavera, impossível de conter. Magnus pegou o seu filho nos braços,
acariciou os seus cabelos com amor, ao mesmo tempo que encarava a esposa com hostilidade.
Mas, de repente, ele largou o menino no chão e ordenou a Sot, quase que de maneira
desagradável, que levasse Eskil para ver as brincadeiras e que logo em seguida
se veriam de novo. Sot, surpresa, pegou o menino pela mão e puxou-o para longe,
enquanto este, contrariado, choramingava e resistia. Mas, como você sabe, meu
caro marido, continuou Sigrid, rápido, para que fosse ela a conduzir a conversa
e não deixando que ele prosseguisse, encolerizado, antes voltasse ao bom senso
e à calma. Sempre desejei receber Varnhem de presente de casamento, embora
tenha sido eu que herdei a propriedade, e que consegui que a herança ficasse
registada com o sigilo real, e ainda que, para mim, bastem o manto que trago sobre
os meus ombros agora e apenas um pouco de ouro para me enfeitar. É, isso também
é verdade, respondeu Magnus, ainda mal- humorado. Mas, ao mesmo tempo, Varnhem representa
um terço do nosso património em comum, um terço que agora você acaba de tirar de
Eskil. O que não consigo entender é como você foi capaz de fazer uma coisa
dessas, mesmo que tivesse direito a fazê-lo.
Vamos
andar devagar, na direcção das brincadeiras, para não ficarmos aqui quietos,
como se déssemos a entender que estamos zangados um com o outro. Eu vou
explicar tudo, disse ela, oferecendo o braço para ele. Magnus olhou em volta
preocupado, reconheceu que ela tinha razão, sorriu com esforço e pegou-a pelo
braço. Bem, disse ela, hesitante, após uns segundos. Vamos começar pelas coisas
terrenas, as que mais enchem a sua cabeça neste momento. Evidentemente, vou levar
para Arnäs todos os animais e os servos. Varnhem tem, sem dúvida, as melhores
construções, mas Arnäs, por isso mesmo, vai possibilitar que a gente construa a
partir do terreno, especialmente agora, quando vamos receber tantas mãos para trabalhar
mais. Dessa maneira, vamos ter um lugar melhor para morar, em especial durante
o Inverno. Mais animais significam mais barricas de carne salgada e mais peles,
que agora já podemos mandar para Lõdõse de barco. Você sempre quis muito
negociar com Lõdõse, e isso poderá fazer a partir de Arnäs, com muito mais
facilidade, tanto no Inverno quanto no Verão. Isso seria mais difícil de fazer
a partir de Varnhem. Magnus andava ao seu lado, silencioso e inclinado para a
frente, mas ela viu que ele se tinha acalmado e começava a escutar com interesse,
e então concluiu que não era mais uma questão de guerra com palavras. Viu tudo bem
claro diante de si, como se tivesse levado muito tempo para planear as coisas,
quando, na verdade, a ideia toda não tinha mais do que uma hora de vida. Mais
peles e mais barricas com carne salgada para Lõdõse significavam mais moedas de
prata, e mais moedas de prata significavam mais sementes. Mais sementes
significavam que mais servos poderiam conquistar a sua liberdade através da
preparação de novos campos para sementeira, de empréstimos em sementes pagas
pelo dobro em centeio que, mandadas para Lõdõse, seriam trocadas por mais
moedas de prata. E, então, seria possível encomendar as muralhas que Magnus
sempre havia pensado em erguer, já que Arnäs era difícil de defender, em
especial durante o Inverno, quando o gelo facilitava a passagem. Através da
unificação de todos os esforços em Arnäs, em vez de os partilhar por dois
lugares, seria possível para eles dois ficarem mais ricos, com todos os
terrenos novos compondo uma propriedade maior, edificar um lar mais quente e
seguro e deixar para Eskil uma herança maior do que se poderia imaginar antes. Quando
chegaram bem na frente da multidão, tiveram que forçar a passagem, é claro, e,
sem dar quaisquer sinais, Magnus se manteve silencioso e pensativo. Sot chegou
aos pulos, trazendo Eskil nos braços, e levantou-o diante de si para que o povo
pudesse ver as roupas dele e que, com ele nos braços, também ela, uma escrava,
tinha direito a forçar a passagem, e aí o garoto pulou para o chão e colocou-se
em frente da mãe que suavemente colocou as suas mãos nos seus ombros, acariciou
a sua face e corrigiu a posição do gorro cheio de penas. Os artistas diante
deles estavam vestidos com roupas engraçadas, de cores fortes e com pequenas campainhas
penduradas nas pernas e nos punhos, de modo que todos os seus movimentos se misturavam
com o som das campainhas». In Jan Guillou, A Caminho de Jerusalém, As
Cruzadas, Editora Bertrand Brasil, Grupo Editorial Record, 2002, ISBN
978-852-860-896-0.
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