Cortesia
de wikipedia e jdact
«(…) O padre fitou-o atentamente.
Era difícil dizer com o que o homem parecia. O rosto estava inchado e esfolado,
os olhos quase fechados. Através de lábios grossos, o homem murmurou: fico
contente que tenha vindo, padre. Sua salvação é o dever da igreja, meu filho.
Eles vão-me enforcar esta manhã? O padre afagou-lhe o ombro, gentilmente. Foi
condenado a morrer pelo garrote. Não! Lamento muito. As ordens foram dadas pelo
primeiro-ministro pessoalmente. O padre pôs a mão na cabeça do preso e entoou:
diz-me teus pecados... Pequei muito em pensamento, palavra e acção, padre, e
arrependo-me de todos os pecados com toda a força do coração. Ruego a nuestro Padre celestial para la
salvación de tua alma. En el nombre del padre, del Hijo y del Espiritu Santo...
O guarda, escutando do lado de fora da cela, pensou: uma perda de tempo estúpida.
Deus cuspirá no olho deste. O padre acabou. Adiós, meu filho. Que Deus receba sua alma em paz. O padre
encaminhou-se para a porta da cela. O guarda abriu-a, depois recuou, a arma
apontada para o preso. Depois de trancar a porta, o guarda deslocou-se para a
cela seguinte.
Abriu a porta e disse: ele é todo
seu, padre. O padre entrou na segunda cela. O homem também fora brutalmente espancado.
O padre fitou-o em silêncio por um longo momento. Qual é seu nome, meu filho? Felix
Carpio. Era um homem corpulento e barbudo, com uma cicatriz recente e lívida na
face, que a barba não conseguia esconder. Não tenho medo de morrer, padre. Isso
é óptimo, meu filho. Ao final, nenhum de nós é poupado. Enquanto o padre ouvia
a confissão de Carpio, ondas de som distantes, a princípio abafadas, depois tornando-se
mais altas, começaram a reverberar pelo prédio. Era a trovoada de cascos e
gritos da multidão em fuga. O guarda prestou atenção ao barulho, sobressaltado.
Os sons aproximavam-se depressa. É melhor se apressar, padre. Alguma coisa
estranha está acontecendo lá fora. Já acabei. O guarda abriu a porta da cela, o
padre saiu para o corredor. A porta foi trancada de novo. Havia um estrépito
rumoroso na frente da prisão. O guarda virou-se para espreitar pela janela
estreita e gradeada. Que barulho será esse? O padre disse: parece que alguém
deseja uma audiência connosco. Pode-me emprestar isso? Emprestar o quê? A sua
arma, por favor.
Enquanto falava, o padre
aproximou-se do guarda. Em silêncio, removeu o topo da cruz que prendia no
pescoço, revelando um estilete comprido. Num movimento rápido, mergulhou o
estilete no peito do guarda. Saiba, meu filho, murmurou, enquanto tirava a metralhadora
das mãos do guarda agonizante, que Deus e eu decidimos que você não precisa mais
desta arma. Fazendo devotadamente o sinal da cruz, Jaime Miró acrescentou: In Nomine Patris... O guarda caiu
no chão de cimento. Jaime Miró tirou-lhe as chaves e abriu rapidamente as
portas das duas celas. Os sons da rua tornavam-se mais intensos. Vamos embora,
ordenou Jaime. Ricardo Mellado pegou a metralhadora. Você dá um padre e tanto.
Quase me convenceu. Ele tentou sorrir, com a boca inchada. Eles maltrataram vocês
de jeito, não é mesmo? Mas não se preocupe. Todos pagarão por isso. O que
aconteceu com Zamora? Jaime Miró passou os braços pelos dois homens e ajudou-os
a avançarem pelo corredor.
Os homens espancaram-no até a
morte. Pudemos ouvir os seus gritos. Levaram-no depois para a enfermaria e
disseram que ele morreu de infarto. Havia uma porta de ferro trancada à frente.
Esperem aqui. Disse Jaime Miró. Aproximou-se da porta e informou ao guarda no
outro lado: já acabei aqui. O guarda abriu a porta. É melhor se apressar,
padre. Há algum distúrbio ocorrendo lá fora... Não concluiu a frase. Enquanto o
estilete de Jaime penetrava no corpo, o sangue esguichou pela boca do guarda.
Jaime fez sinal para os dois homens. Vamos. Felix Carpio pegou a arma do guarda
e começaram a descer. A cena lá fora era um caos. A polícia corria de um lado
para outro, freneticamente, na tentativa de descobrir o que acontecia e
controlar as pessoas que, aos berros, no pátio, debatiam-se para fugir dos
touros enfurecidos. Um dos touros investira contra a entrada do prédio,
esmagando a entrada de pedra. Outro dilacerava o corpo de um guarda
uniformizado no chão. O furgão vermelho encontrava-se no pátio, o motor ligado».
In
Sidney Sheldon, As Areias do Tempo, 1989, Publicações Europa-América, 2003, ISBN 978-972-105-176-8.
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