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Via
Espessa
[…]
«Se
te pertenço, separo-me de mim.
Perco meu passo nos caminhos de
terra
E de Dionísio sigo a carne, a
ebriedade.
Se te pertenço perco a luz e o
nome
E a nitidez do olhar de todos os
começos:
O que me parecia um desenho no
eterno
Se te pertenço é um acorde ilusório
no silêncio.
E por isso, por perder o mundo
Separo-me
de mim. Pelo Absurdo.
Olhando
o meu passeio
Há um louco sobre o muro
Balançando os pés.
Mostra-me o peito estufado de
pêlos
E tem entre entre as coxas um
lixo de papéis:
Procura Deus, senhora? Procura
Deus?
E simétrico de zelos, balouçante
Dobra-te
num salto desnuda o traseiro.
O louco estendeu-se sobre a ponte
E atravessou o instante.
Estendi-me ao lado da loucura
Porque quis ouvir o vermelho do
bronze
E passar a língua sobre a tintura
espessa
De um açoite.
Um louco permitiu que eu juntasse
a sua luz
À
minha dura noite.
O louco (a minha sombra)
escancarou a boca:
O que restou de nós decifrado nos
sonhos
Os arrozais, teu nome, tardes,
juncos
Tuas ruas que no meu caminho
percorri
Ai,
sim, me lembro de um sentir de adornos
Mas há uma luz sem nome que me
queima
E
das coisas criadas me esqueci.
O louco saltimbanco
Atravessa a estrada de terra
Da minha rua, e grita à minha
porta:
Ó senhora Samsara, ó senhora
Pergunto-lhe por que me faz a mim
tão perseguida
Se essa de nome esdrúxulo aqui
não mora.
Pois aquilo que caminha em
círculos
É Samsara, senhora
E recheado de risos, murmura uns
indizíveis
Colado
ao meu ouvido».
[…]
Hilda Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa
Duarte, Literatura brasileira século XX, Wikipédia.
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