Cortesia
de wikipedia e jdact
Via
Espessa
[…]
«Devo
voltar à luz que me pensou
De poeira e começos?
Devo voltar ao barro e às mãos de
vidro
Que fragilizadas me pensaram?
Devo pensar o louco (a minha
sombra)
À luz das emboscadas?
Ai girassóis sobre a mesa de
águas.
Estetizante, disse-me o louco
Grudado
à minha poética omoplata.
Os girassóis? Ah, Samsara, teu
esquecido sol.
Uma mesa de águas? Que volúpia,
que máscara
E que ambíguo deleite
Para
a voracidade de tua alma.
Eram águas castanhas as que eu
via.
Caras de palha e corda nas
barcaças brancas.
Velas de linhos novos, luzidios
Mas resíduos. Sobras.
Colou-se minha sombra às minhas
costas:
Que bagagem, senhora.
O
Nada navegando à tua porta.
O louco se fechou ao riso
Se torceu convulso de fingida
agonia
E como se lançasse flores à cova
de um morto
Atirou-me os guizos.
Por quê?, perguntei adusta e
ressentida.
Ó senhora, porque mora na morte
Aquele
que procura Deus na austeridade.
É
o olho copioso de Deus. É o olho cego
De quem quer ver. Vês? De tão
aberto
Queimado de amarelo
Assim me disse o louco (esguio e
loiro)
Olhando
o girassol que nasceu no meu tecto.
De canoas verdes de amargas
oliveiras
De rios pastosos de cascalho e
poeira
De tudo isso meu cantochão e
ervas negras.
Grita-me o louco:
De amoras. De tintas rubras do
instante
É que se tinge a vida. De
embriaguez, Samsara.
E
atravessou no riso a tarde fulva.
Temendo desde Agosto o fogo e o
vento
Caminho junto às cercas,
cuidadosa
Na tarde de queimadas, tarde
cega.
Há um velho mourão enegrecido de
queimadas antigas.
E ali reencontro o louco:
Temendo os teus limites, Samsara
esvaecida?
Por que não deixas o fogo
onividente
Lamber o corpo e a escrita? E por
que não arder
Casando
o Omnisciente à tua vida?»
[…]
Hilda Hilst, Obra Poética Reunida (1950-1996), 1998, organização Costa
Duarte, Literatura brasileira século XX, Wikipédia.
Cortesia
de Wikipedia/JDACT