sexta-feira, 4 de março de 2011

Infante D. Henrique: A Expansão no Período Henriquino. Jaime Cortesão. «Esta primazia dada à cultura, como factor do bem comum, esta sim, revela, à data em que se escreveu, qualquer coisa de novo, na concepção da vida e dos deveres do homem de Estado»

4 de Março
Cortesia de paineis

Com a devida vénia a Jaime Cortesão.

«Foi o Infante de estatura pouco mais que média, de membros longos e robustos, a tez morena e o cabelo alevantado. Dos seus retratos, um dos quais, o de Nuno Gonçalves, obra genial, se vê que o rosto era de traços fortes, a testa alta, os malares visíveis, o mento grande e proeminente e a austeridade do semblante suavizada pela.expressão do olhar, banhado nessa espécie de ilimitação e melancolia dos que perseguem um sonho interior.
Foi dotado duma extraordinária energia física. Durante a tomada de Ceuta, distingue-se entre os demais guerreiros pelejando durante cinco horas continuadamente, sob o peso. das armas e em plena zina abrasante dum Agosto africano. Quando, três anos volvidos, chegaram a Portugal as primeiras novas de que os Mouros se preparavam para o cerco de Ceuta, diz Azurara:
  • «...foi coisa maravilhosa que o infante D. Henrique veio de Viseu aos Paços da Serra (junto de Atouguia) em um dia e uma noute, que são quarenta léguas (das antigas)»
Chegado a Lisboa, e recebidas as cartas com a notícia de que o cerco tinha começado, veio de novo aos Paços da Serra pedir licença ao Pai Para embarcar na frota de socorro, obtida a qual regressou acto contínuo a Lisboa. Mas, acrescenta o cronista:
  • «se nos maravilhamos do andar que fez de Viseu, muito mais o devemos fazer deste caminho, que fez em pouco mais de 15 horas andou 26 léguas, contando aqui a detença que fez em falar a seu padre e dar lugar aos seus que comessem alguma cousa».
Capaz dum dispêndio extremo de energia nos momentos de perigo, não deixava por isso de aplicar-se ao trabalho de todos os dias com um zelo igual e pertinaz. No entanto, acusam-no de homem de coração duro.

Cortesia de conheceroporto
A sua conduta com os irmãos, o infante D. Fernando, a quando cativo, após o desastre de Tânger, e o infante D. Pedro durante as desavenças com o duque de Bragança que terminaram com a Batalha de Alfarrobeira, constitui a base principal da acusação. Sem pretender deslindar com minúcia as causas da sua atitude num e noutro caso, afigura-se-nos mais prudente supor que em qualquer deles, no ânimo do Infante se deve ter dado o conflito entre os dois deveres e que a vitória do Estado sobre os impulsos afectivos lhe fosse dolorosa. Vários depoimentos, na verdade, contradizem um tanto esse juízo.

Grande atcance para o estudo dos objectivos do Infante assume a averiguação dos elementos da sua cultura e da importância que ele próprio lhe dava. Não há, ao terminar o século XIV, e ao começar o XV, que separar por forma terminante o homem de fé e o homem de ciência. Salientemos desde logo que o infante D. Henrique exerceu, provavelmente a partir de 1418, mas com certeza desde 1431, as funções de governador e protector da Universidade de Lïsboa, cargo em que mostrou o maior zelo. Da consciência gue tinha da importância do cargo, podemos concluir pelos considerandos da carta em que doa, em 1431, as novas casas para instalação da Universidade:
  • «... e desejando o bem e acrescentamento destes regnos e especialmente em sabedoria donde todo o bem nasce...».
Esta primazia dada à cultura, como factor do bem comum, esta sim, revela, à data em que se escreveu, qualquer coisa de novo, na concepção da vida e dos deveres do homem de Estado». In Jaime Cortesão, A Expansão dos Portugueses no Período Henriquino, 1965.

Continua.
Cortesia de Portugália/JDACT