sábado, 24 de setembro de 2011

Carlos Montalto de Jesus. Macau Histórico. Edição de 1926. «Já na primeira edição, 1902, de “Historic Macao”, Montalto revelava a sua grande preocupação. A autonomia administrativa de Macau, a principal causa, a seu ver, do seu presente atraso, marasmo e decadência»


Cortesia de foriente

Macau Histórico
Em jeito de Introdução
A glória e o martírio de Montalto de Jesus

Os portugueses vão ter a oportunidade de ler na sua própria língua e de julgar uma «edição maldita» cujos exemplares, quando foi posta à venda em Macau, foram apreendidos e confiscados aos que já os possuíam para serem destruídos pelo fogo em auto-de-fé. O seu autor caiu em desgraça. Isto aconteceu em Macau nos idos de 1926, ano em que em Portugal, foi posto fim à I República, substituída pela Ditadura Militar. Era o «28 de Maio». Poucos meses depois pobre e desolado por lhe ter sido negada a justiça que solicitara aos tribunais, Montalto de Jesus morria, em Março de 1927, em Hong-Kong, numa casa de caridade que o tinha acolhido.

«Havia muito tempo que a alienação de Macau era mencionada como resultado da cobiça das potências coloniais, de tal forma que, no Tratado Luso-Chinês de 1887, assinado finalmente para regularizar as relações entre os dois países e resolver a chamada questão de Macau, a China reconheceu oficialmente a plena posse e soberania sobre Macau e suas dependências por Portugal, que por sua vez, se comprometeu a não abandonar ou vender esses territórios sem o consentimento da China.
Entre esta segunda edição e a primeira medeiam 24 decisivos anos da vida de Montalto de Jesus, educado à inglesa, com incidência sobre o comércio e a economia, não esquecendo as línguas e literaturas modernas e o latim. Homem culto e lido mas prático, desempoeirado e de vistas largas, naturalmente ambicioso e realista, ansiava por ser prestável à sua Pátria, representada no seu espírito pela dualidade Macau-Portugal, a próxima e a distante. Não foi nunca um impostor, um «pendura» ou figura decorativa, antes pelo contrário, era afirmativo da sua personalidade dinâmica, frontal e directo, expondo os seus pontos de vista com clareza, sinceridade e coragem, mas sempre com correcção e convicção, assumindo as suas consequências. Era um homem responsável, um bom macaense e um honrado português de antes quebrar que torcer.

O seu primeiro trabalho impresso conhecido foi publicado, em 1897, no “Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa”, «Centenary of India. Early Portuguese Intercourse with China” abre o n.º 11, 16.ª série, e foi, cinco anos mais tarde integrado na primeira edição do “Historic Macao”, como capítulo I, o que nos leva a crer que já então estava envolvido na grande obra da sua vida.

Afonso de Albuquerque, século XVIII
Cortesia de foriente

No ano anterior, concretamente a 9 de Novembro de 1896, fora admitido como sócio correspondente dessa veneranda, prestigiosa e patriótica instituição nacional, por proposta feita pelas três seguintes individualidades:
  • o macaense Lourenço Pereira Marques, médico e filantropo em Hong-Kong, filho do comendador Lourenço Marques, o introdutor do culto de Camões em Macau, proprietário da famosa casa e jardim onde se encontra a gruta com o busto do Poeta que ele mandou ali colocar;
  • Alfredo Jorge Vieira Ribeiro;
  • Luciano Cordeiro, um dos principais fundadores e secretário-geral da Sociedade.
Montalto de Jesus recebeu o n.º 2707 e ingressou na classe de “correspondente” por não ter domicílio habitual por mais de três meses em Lisboa, de acordo com os Estatutos, gozando, à semelhança dos outros sócios os “ordinários”, de todos os direitos, vantagens, prerrogativas e garantias, sendo-lhe facultativo transitar em qualquer tempo para a classe de ordinário por simples declaração, obrigando-se por este facto a permanecer nesta última classe por um período nunca inferior a um ano, o que de facto aconteceu durante as suas mais prolongadas estadas em Lisboa, por três vezes, a saber em Dezembro de 1911, em Julho de 1921 e em Maio de 1923.

Malaca, ilustração de Gaspar Correia
Cortesia de foriente

Montalto de Jesus vivia normalmente em Hong-Kong e em Xangai, onde tinha parentes, tendo, por isso, o ensejo de verificar o extraordinário desenvolvimento quer urbanístico e populacional quer marítimo, comercial e financeiro de ambas as cidades e, ao mesmo tempo, o franco e imparável declínio acelerado de Macau, caído num torpor burocrático e administrativo excessivo. Pôde assim, conhecer por dentro a administração da internacionalizada Xangai, onde se demorou alguns anos após a primeira edição do “Historic Macao” e onde publicou o seu trabalho “The Rise of Shangai”, em 1906, pois fora-lhe proposto escrever livro idêntico ao de Macau sobre a «Rainha do Pacífico Ocidental», sendo-lhe, para isso, concedidas as mais amplas facilidades de acesso aos arquivos das várias municipalidades internacionais da cidade para a cabal elaboração da obra. Soube por isso, como e a que eram devidos os seus grandes progressos que em escassas décadas, transformaram uma populosa e desordenada cidade chinesa num dos maiores, mais ricos e mais palpitantes empórios, se não mesmo o maior, do Extremo Oriente, com Hong-Kong a seguir-lhe no encalço, graças à sua excelente prática e decidida administração. “Historic Shangai” foi publicado em 1909, com grande êxito, e reconhecido com a melhor história da cidade durante muitos anos.

Já na primeira edição, 1902, de “Historic Macao”, Montalto de Jesus revelava a sua grande preocupação. A autonomia administrativa de Macau, a principal causa, a seu ver, do seu presente atraso, marasmo e decadência». In Carlos Montalto de Jesus, Historic Macao, 1926, Macau Histórico, 1ª edição em Português, 1990, Livros do Oriente, Fundação Oriente, ISBN 972-9418-01-2.

Cortesia da Fundação Oriente/JDACT