terça-feira, 13 de setembro de 2011

Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança: «Solicitado parecer a Manuel António de Ataíde, logo em l755, Dezembro l7, informa em extenso documento sobre as medidas de reformação do Cartório que considera indispensáveis e urgentes, desde os traslados da Torre do Tombo às contas e cópias pedidas a todas as temas do Estado de Bragança de tombos…»

Cortesia deacademiapotuguesadahistoria

O período de formação, de 1422 a 1620
«Cremos, pois que é lícito concluir que um primeiro longo período, o da «formação do Cartório» decorre desde a criação do Ducado em 1442 até 1640, data em que o 8º duque e novo rei, até por força desta condição e com a sua chancelaria particular autorizada desde 1617, conforme referimos, dá ao arquivo uma estrutura orgânica que já traria de Vila Viçosa e que mais se impôs com a sua transferência para Lisboa em 1640. Acumulava-se então um espólio abundante de cerca de dois séculos e meio, onde não faltavam preciosos pergaminhos originais e códices de raro interesse, formando, decerto, um conjunto espectacular na dimensão que teria necessariamente de corresponder ao invulgar património de uma das mais poderosas casas da Europa.
É neste mar imenso de livros e de papéis que o insuperável pesquisador da história e da genealogia da Casa Real mergulha avidamente e onde recolhe material do mais puro quilate para a construção da sua obra monumental. O cartório da Casa de Bragança, "o qual, posso dizer (palavras de D. António Caetano de Sousa) que não tem papel, que eu não visse" foi, a par de outras fontes, o grande manancial alimentador do seu trabalho.

O período trágico das grandes calamidades, 1640 a 1836
Inicia-se pois, um segundo período da vida deste notável cartório, este, que, mercê das muitas desgraças que o atingiram, poderemos designar de «período trágico». Sofrera, mais nas comarcas e nos almoxarifados, acidentes e delapidações durante as guerras da Restauração e da Sucessão e sofreria o tremendo golpe que lhe desferiram os incêndios do terramoto de 1755 também, não apenas em Lisboa, já que, no nosso conceito, o Arquivo da Casa de Bragança entendemo-lo, desde a sua formação, como o conjunto de toda a documentação, sucessivamente acrescentada, desde os livros da Chancelaria até aos processos e papéis avulsos guardados na sede das comarcas e dos diferentes almoxarifados, do Minho ao Alentejo. Na verdade, foi mesmo em Lisboa por força da violência do grande sismo e das suas trágicas consequências que este património documental foi mais atingido. O palácio dos duques de Bragança pertencia à freguesia dos Mártires que foi, infelizmente, uma das zonas mais dilaceradas. E não apenas as derrocadas e o fogo, mas também a água com que se pretendia dominar o cataclismo, tudo contribuiu para a perdição sem remissa da parte mais valiosa do velho cartório.

Cortesia de casarealportuguesa

  • Apenas escaparam dez famílias no pátio de dentro, chamado dos coches, em palácio do Duque. Aqui se faz deplorável a grande perda do cartório da Sereníssima Casa de Brangança que não havia muito tempo estava reduzido à mais distinta arrumação pela excelente ideia do mestre de campo general e seu guarda-mor Manuel da Maia", palavras de Baptista de Castro no seu "Mapa de Portugal".
Esta história trágica do Arquivo está nele bastante bem documentada, comprovando que efectivamente a parte mais rica, diremos, a mais antiga, portanto, a mais importante e interessante para o conhecimento da Sereníssima Casa, desapareceu na totalidade. Valeu-lhe a fortuna ter-se salvo o muito que para o efeito guardava a Torre de Tombo e donde, logo a seguir, como veremos, se copiou a documentação necessária para comprovar direitos e privilégios.
Os próprios documentos do Arquivo falam, por si, desde os relatórios do Pe. Manuel António de Ataíde, seu cartorário na sucessão de Manuel da Maia, que também o foram ambos da Torre do Tombo, até às representações escritas do solicitador da Casa João Gonçalves Lobato dirigidas à rainha D. Maria prevenindo cautelas futuras, face à sucessão de incêndios posteriores a 1755.
Tomaram-se imediatas providências para salvar o que restava.
Solicitado parecer a Manuel António de Ataíde, logo em l755, Dezembro l7, informa em extenso documento sobre as medidas de reformação do Cartório que considera indispensáveis e urgentes, desde os traslados da Torre do Tombo às contas e cópias pedidas a todas as temas do Estado de Bragança de tombos, autos de posse e demais registos convenientes, um plano e uma metodologia de trabalho verdadeiramente magistral que levou à emissão do alvará régio de l3 de Março de l756 ordenando, de imediato, a extracção de certidões autenticadas pelo guarda-mor da Torre do Tombo Manuel da Maia. Este foi o trabalho que deu origem a 20 volumes cartonados que constituem o actual núcleo chamado da Reforma do Cartório, objecto de publicação recente.


Cortesia de geocaching e ppmbraga

A reforma de 1756 de Manuel da Maia e Manuel António de Ataíde
Em 1756, Setembro 13, são enviados ao cartonário Ataíde todos os papéis enunciados na sua informação para efeitos de "reformação" e de futuro pedido de crédito para valerem como «originais», o que foi depois declarado. Foi este dedicado funcionário o incansável obreiro da grande reforma que se impunha; entregou-se de alma e coração à recuperação do património documental da Casa que servia, seguindo de perto a "arrumação" do seu antecessor no cargo, o engenheiro militar Manuel da Maia.
  • «No que toca a caza para o Cartório em quanto a não houver propria, e destinada para elle, guardareis os papeis nas cazas em quviveis, pondo-os logo com methodo, e ordem para que se não faça esta a rumação por duas vezes, e com dobrada despesa, e vos permitto nomeeis as pessoas, que se devem empregar por hora nos treslados, ordem, e reparos do mesmo cartório para satisfação das quaes me declareis o salario, que devem vençer, pois assim esta despeza, como as demais, que se fizerem nesta reforma se hão de pagar pelo Thezouro da Caza (...) e vos mando me informeis tambem logo sobre a verdade dos papéis, que se acham copiados nos livros das provas da História Genealogica da Caza Real, declarando, os que com effeito existião nos lugares donde se dizem extrahidos, para depois de todas estas diligencias se guardarem no cartorio os ditos livros, com hum Alvará, em que se declare são verdadeiros os documentos que do mesmo cartorio se copiarão, e ficarem tendo a mesma força e valor, que os originaes».
Texto da ordem régia expedida para o cartorário Ataíde, concordante com os princípios por ele próprio estabelecidos para a recuperação dos documentos, em que se recorre ao conhecimento que o diligente arquivista tinha do conteúdo e organização da Torre do Tombo para se poder fazer fé nas referências de D. António Caetano de Sousa». In Manuel Inácio Pestana. O Arquivo Histórico da Casa de Bragança, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1996, ISBN 972-624-108-1.

Continua
Cortesia da Academia Portuguesa da História/JDACT