segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Mário A. Nunes Costa. Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz. «Não que tenhamos localizado qualquer documento do século XIV que refira um Vasco Esteves de Gatuz ou um Esteves da Gata. Mas localizamos, já em 1951, o esquecido testamento do nosso Vasco Esteves. É documento que revela preciosos dados para a biografia do testador. »

Cortesia da academiaportuguesadahistoria

Para uma biografia de Vasco Esteves de Gatuz
Em busca de certos Vasco Esteves
«Dizê-lo foreiro del-rei em Vila Viçosa em 1375, seria insustentável, por ausência de prova, e duvidoso, pela cronologia. Identificar o cavaleiro Vasco Esteves de Molles com Vasco Esteves de Gatuz não teria, como veremos adiante, qualquer base de sustentação.

Vasco Esteves e a família Gato
Para conhecer o percurso terreno de Vasco Esteves de Gatuz há uma outra via, a qual importa explorar desde já, ainda que sem abandonar a primeira. Dado que o seu túmulo ostenta, a toda a altura da face lateral esquerda da arca, dois brasões, iguais entre si, onde se têm identificado as armas tradicionalmente ditas da família Gato, terá havido alguma ligação real ou sentimental do tumulado a esta família?
Comecemos pelas palavras. O Dr. José Pedro Machado já registou a mais recuada grafia de «Gatus» no ano de 922 da nossa era. Quanto ao apelido «Gato», o mesmo filólogo registou-o em 1258. Como tantos outros, este apelido terá começado por ser alcunha. Foi nos fins do século XII ou em princípios do século XIII que nasceu aquele que deu origem à família a respeito da qual o genealogista Manuel de Sousa da Silva escreveu mais tarde:

De Gestaço honra antiga
Do concelho de Bayão
Naturaes os Gatos são
…………………….

Segundo uma vulgarizada afirmação contida no «Livro de Linhagens» correntemente atribuído ao conde D. Pedro, que velhos e novos genealogistas seguem, a família Gato descenderá da família Velho. Pero Nunes Velho, filho de D. Nuno Soares Velho e de D. Mor Pires Perna, terá casado com D. Maria Anes, de quem teve três filhos e uma filha. Um dos filhos, D. Afonso Pires Gato, foi o que deu origem à nova família. Em Janeiro de 1234 estava já, pudemos dizê-lo com segurança, casado com D. Urraca Fernandes. Esta era filha de D. Urraca Nunes, casou em segundas núpcias com Fernão Pelegrim.
D. Afonso Pires teve desta senhora dois filhos e, segundo o comum dos genealogistas, três filhas. Registe-se que Afonso Pires Gato teve de Maria Gonçalves, mulher de Fernão Álvares um filho a furto. Há, no entanto, que acrescentar uma quarta filha do casal, D. Mor, como a avó, ou D. Maior Afonso, monja de Arouca a quem a Ordem de Avis deu em préstamo, no, ano de 1273, casais em Teomonde, terra de Cambra, e Lordelo. Tais filhos formam a geração de apelido Afonso Gato. Três da filhas, Teresa, Constança e Guiomar, vão, por seus casamentos, integrar-se nas famílias Melo, Azevedo e Alvarenga, respectivamente.

Cortesia da academiaportuguesadahistoria

NOTAS:
D. Teresa Afonso Gata foi casada com D. Mem Soares de Melo. É, de 1286 (Set., 14) uma sua doação de quinta em Vila Verde, no termo de Paiva, a outra filha, Sancha Mendes, com a condição de, por morte, a deixar ao mosteiro de Arouca. No ano seguinte, 1287 (Maio, l2), D. Teresa Afonso de Melo doa à abadessa e ao convento de Arouca parte de uma quinta também em Vila Verde, no julgado de Paiva.
D. Constança Afonso ou Constança Afonso Gata casou com D. Soeiro Pais de Azevedo ou Soeiro Pires de Azevedo. Em Outubro de 1244 já estavam casados, segundo o Censual do Cabido da Sé do Porto. O Livro Antigo de Linhagens atribui-lhes um filho, Paio Soares, e seis filhas, mas destas cita apenas cinco: uma monja no mosteiro de Mier (Santa Ovaia das Donas), outra que casou com D. João Martins da Cunha, Maria Soares, monja de Arouca, Teresa Soares e D. Maria Peres. O Livro Velho de Linhagens refere Paio Soares, Sancha Soares e João Soares e o Livro das Linhagens atribuído ao conde D. Pedro dá como filhos de D. Soeiro e D. Constança apenas a Paio Soares de Azevedo e D. Maria Soares. A filha que casou com D. João Martins da Cunha é identificada como D. Sancha Soares ou como D. Maria Soares de Azevedo. Quer este casal, quer o constituído por Paio Soares de Azevedo e Teresa Gomes, filha de Gomes Correia, tiveram geração.
D. Maria Peres foi casada, com Rodrigo Pais de Valadares, de quem teve filhas. D. Guiomar Afonso Gata casou com Pero Pais Curvo. Foram seus filhos: Martim Peres de Alvarenga e D. Estevainha Peres. Martim foi casado com D. Inês Pais, filha de Paio Rodrigues de Valadares; e D. Estevainha com Mem Rodrigues Rebotim. De ambos os casais houve geração. D. Estevainha foi também casada com Martim Gomes, de quem não teve descendência.

Quanto aos varões, Lopo Afonso Gato e Fernando Afonso Gato, vão dar origem à geração seguinte, a dos Lopes Gato e dos Fernandes Gato, de que temos notícias pontuais, mas seguras, desde 1262 e até 1337, com notória longevidade para D. Inês Gata, também monja de Arouca. A sequência destes Gato perde-se, contudo, na linha masculina, em pleno século XIV, por ausência de geração ou por omissão de descendência nos livros de linhagem. Tal como no caso quatrocentista de Gaspar Gato, pai de Nuno Gato, que foi contador de Safim em tempo de D. Manuel I, a ligação entre o nosso Vasco Esteves trecentista, Vasco Esteves de Gatus ou Esteves da Gata e os apontados descendentes de D. Afonso Pires Gato, dos quais indubitavelmente foi contemporâneo, é ainda hoje insustentável.

Cortesia da academiaportuguesadahistoria 

Pelo Decreto nº 8228, de 4 de Julho de 1922, que classificou vários imóveis como monumentos nacionais, o túmulo de Vasco Esteves passou a ter, oficialmente, a designação de túmulo de «Esteves da Gata». O decreto não alude a intervenção do Conselho de Arte e Arqueologia da 1ª Circunscrição, como ao tempo era regra em idênticas circunstâncias. A redacção do, então, Ministério da Instrução Pública foi infeliz. A disposição legal altera o sobrenome multissecular de Vasco Esteves e dá à expressão uma forma de aparência coloquial para exprimir uma ascendência materna. Sabia-se, então, quem fora a mãe de Vasco Esteves? Temos fortes dúvidas quanto ao conhecimento dessa particularidade histórica. Quem foi a «Gata?» A designação vintista, com a omissão, irreflectida e sem fundamento, do nome próprio do tumulado, mais a torna suspeita. O escudeiro Vasco Esteves de Estremoz pode ter sido um membro da família Gato por linha materna, um filho legítimo ou ilegítimo, mesmo um filho espúrio. Qualquer destas duas últimas hipóteses era susceptível de levar à omissão, em vida, do nome dos pais, salvo se obtida, entretanto, legitimação.
Nas genealogias até à data traçadas para a família Gato não é citado qualquer Vasco Esteves. Fora das genealogias tradicionais, é, não obstante, possível encontrar outros Gato em Portugal nos séculos XIII e XIV. Serão uns o fruto da adopção acidental de alcunha como sobrenome, poderão outros ser descendentes de D. Afonso Pires, por lapso ou desconhecimento não registados.

A via genealógica de investigação apresenta-se, pois, bloqueada. A exploração da documentação escrita, com relevo para a documentação avulsa coeva, assume, assim, um interesse especial no presente caso.
Não que tenhamos localizado qualquer documento do século XIV que refira um Vasco Esteves de Gatuz ou um Esteves da Gata. Mas localizamos, já em 1951, o esquecido testamento do nosso Vasco Esteves. Voltarei a ele. É documento que revela preciosos dados para a biografia do testador.

Vasco Esteves, o de Estremoz
O Homem
Vasco Esteves, aquele de quem aqui nos ocupamos, foi, segundo afirmou um tabelião local, morador e vizinho da então vila de Estremoz, povoação alentejana a quem el-rei D. Afonso III dera foral cerca de um século antes, 1258 (24)». In Mário Alberto Nunes Costa, Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz, Academia Portuguesa da Historia, 1993, ISBN 972-624-094-8.

NOTAS:
Lopo Afonso Gato foi casado com D. Sancha Pires de Gundar, filha de D. Pedro Lourenço de Gundar. Estavam em 1270 já casados. O Livro Antigo de Linhagens cita Lopo Gato, mas não D. Sancha. Os filhos de ambos: Afonso Lopes, Diogo Lopes, Fernão Lopes, Lopo Mendes, Martim Lopes, Guiomar Lopes e «outra que casou com o Petite e matou-a». Esta última filha parece ser D. Urraca Lopes. Fernando Afonso Gato estava casado em 1270 com D. Urraca Gonçalves de Portocarrero, filha de Gonçalo Viegas, o Alfeirão. Como seu irmão Lopo Afonso Gato, teve bens em Vila Verde de Paiva e, como o irmão, fez deles escambo, na referida data, com D. Maior Afonso. Foram seus filhos Rui Fernandes Gato e D. Sancha Fernandes Gata. Rui Fernandes Gato foi casado com D. Guiomar Martins, filha de Martim Afonso de Cambra. Foram pais de D. Maria Rodrigues.
D. Sancha Fernandes Gata foi casada com João Esteves de Tavares, o orvalhuz. Tiveram três filhos. Quanto a Álvaro Fernandes Gato, nada apuramos a seu respeito, o mesmo sucedendo com D. Urraca, salvo, por obsequiosa referência do Prof.José Mattoso. De notar que em 1304 não entrou nas partilhas por morte de Fernando Afonso Gato.

Cortesia da AP da Historia/JDACT