quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A Infanta D. Maria de Portugal (1521-1577). As suas Damas: «Quando se ofrecian negocios que tratar, que parecian Buenos, andava V. A. en dilaciones, y de feria en feria, sin querer-los concluir, y agora que no ay ninguno, me sale con esso? Pues aunque fuesse Monarca del mundo, no lo haré, ni se ha de pensar tal cosa de mi!»

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NOTA: Texto na versão original

A Infanta D. Maria
«Os projectos de casamento nem por isso acabam. Tendo morrido a primeira mulher de Felipe em Julho de r1545, ao dar a vida ao desgraçado príncipe D. Carlos, e não encontrando outra alliança mais vantajosa, o Imperador cada vez mais apertado pela mãe da Infanta, viuva de Francisco I desde 1547, lembra-se de casar o filho com a Infanta. Encontra porém como sempre a surda resistência de D. João III, o qual, depois de novas delongas, declara redondamente, não poder dar o seu consentimento, “porque assim cumpria a bem de seus reinos e de sua real fazenda”. Repugnava-lhe talvez ver occupado o logar da filha idolatrada, que sempre fôra fraca e doentia, pela bella e robusta pupilla? O Imperador, obrigado a desistir, forja novos projectos, escolhendo para noivo da princesa o Archiduque Fernando, filho segundogenito do Rei dos Romanos. D. Maria regeita-o todavia, na supposição que as negociações com o Príncipe de Castella continuavam em bom caminho, e que breve as suas intimas esperanças se realizariam.

E realmente, as combinações de Carlos V falham. Mas o consorcio da Infanta com Felipe reapparece, d'esta vez sob bons auspicios. D.João III já não acha subterfugios; o contracto é rubricado depois da troca dos retratos; a Infanta assigna, offìcialmente, como “Princesa de Castella”, e como Princesa de Castella e futura rainha do immenso imperio em cujas fronteiras o Sol nunca desapparecia, a celebravam poetas e panegyristas.

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Emfim, o embaixador do Cesar, Ruy Gomes da Silva, principe de Eboli, aguarda em Lisboa, com luzidissimo cortejo, as ultimas ordens para a «receber». Eis senão quando, vinte e quatro horas antes do desposorio, chega um correio de Castella, com o seguinte despacho laconico:
  • “En este ponto tengo aviso que es muerto Eduardo (VI), Rey de Inglatierra, a quien sucede Maria, su hermana. Si no está celebrado el desposorio con la Infanta D. Maria de Portugal, suspenda-se por aora. (6 de Julho de 1553).
E ficou suspenso! Felipe de Hespanha pediu e obteve a mão da dura, fria e feia Maria Tudor (1554), já quasi fiançada ao Infante D. Luis. Antonio Moro correu para pintar essa noiva nordica. Ella lá está no Prado, perto das Marias meridionaes; sentada, brincando com uma rosa, mas com que expressão seca e concentrada na cara angulosa. D. Leonor e D. Maria, joguetes nas mãos do imperador, “que se consolem com a antiga receita!”

A Infanta consola-se, ou antes resigna-se. Dotada de animo grande e espirito levantado, de accordo com a sua alta posição, revelando a generosidade propria de nobres caracteres, perdoa tantos e tão repetidos aggravos, o desvanecimento das suas mais risonhas esperanças. Sem uma queixa, sem um reparo, com discreta reserva, põe termo a tudo. Renuncia a qualquer enlace; resolve ficar solteira e no reino, no meio das suas amigas, dos seus livros e dos seus pobres, entregue d'ora avante ás sciencias e artes, a obras de caridade e cuidados religiosos. Despede-se do mundo e de seus enganos, preferindo a placidez da vida contemplativan o ideal de Rachel-Maria, aos cuidados e conflictos da vida activa de Lea e Marta.

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Uma testemunha de vista que observou a Infanta depois de 1557 dizia della:
  • «Es persona de grande entendimiento y cordura, muy reposada y de pocas palabras e bien dichas; es de las valerosas personas que he visto y temen-se sus determinaciones como de tal; que no son de mujer moza... Tiene otros fines muy santos y honrados, y sin hazer estremos en ello, ha mas de dos años que se ensaya en un vestido e recojimiento muy bueno, y mucha oracion, y esto no como hypocrita, sino como conviene a su edad y persona».
Mas D. Leonor, a mãe, nunca se conforma. Sentidissima do passado offendida com o ultimo escandalo, corre de Flandres a Castella, acompanhada de sua energica irmã, a Rainha de Hungria. Chegada a Madrid, despacha para a côrte de Portugal uma serie de cartas, cheias de queixas amargas, mal dissimuladas no meio de formulas diplomaticas, sollicitando, ou melhor, exigindo terminantemente a partida da Infanta. Um embaixador especial, Juan de Mendoza, vem entregar estes papeis, sendo apoiado nas suas exigencias pelo enviado extraordinario de Carlos V, Sancho de Cordova, cujas palavras acabo de citar.
D. João III, resolvido a não ceder, ensaia nesta occasião uma nova tactica. Depois de ter feito abortar tantos planos de casamento, finge tomar agora a iniciativa, agora quando devia ter a plena convicção de que a irman, enfadada e desilludida, regeitaria, sem a menor hesitação, toda e qualquer corôa que lhe offerecessem.
Os novos pretendentes, propostos pelo carinhoso irmão, são já nossos conhecidos: o archiduque Fernando e seu velho pae, irmão do Imperador, ou, por outra, o já caduco Fernando d'Austria que ia occupar o throno allemão. A Infanta recusa decididamente; e, como EI-Rei insiste hypocritamente, apertando sobre coisas que elle mesmo não queria, a victima perde a paciencia, e cheia de indignação, responde de viva voz, em presença da côrte toda:
  • “Quando se ofrecian negocios que tratar, que parecian Buenos, andava V. A. en dilaciones, y de feria en feria, sin querer-los concluir, y agora que no ay ninguno, me sale con esso? Pues aunque fuesse Monarca del mundo, no lo haré, ni se ha de pensar tal cosa de mi!”
E neste proposito ficou».

In Carolina Michaelis de Vasconcelos, Infanta D. Maria de Portugal (1521-1577) e as suas Damas, edição fac-similada, Biblioteca Nacional, Lisboa, 1994, ISBN 972-565-198-7.

Cortesia de Biblioteca Nacional/JDACT