terça-feira, 20 de setembro de 2011

José Marques. Os Castelos algarvios da Ordem de Santiago no reinado de D. Afonso III: «Consolidar as posições da Ordem, cuja sede estava em Castela, e, por isso, na dependência de Afonso X, sem objectivos estratégicos de grande alcance seria nocivo aos interesses de Portugal, que a política de D. Afonso III procurou sempre salvaguardar»

Doação do castelo de Aiamonte à Ordem de Santiago
Cortesia de separatarevistacaminiana

Introdução
«No mesmo dia e perante a mesma Cúria, foi-lhe outorgado o castelo de Aiamonte, cujo termo partia com os limites de Mértola e Cacela «et contra Gevolaleom et contra Olvam et contra Daltes dividantur termini predicti castelli per Odiel et cum omnibus suis pertinentiis».
Dois dias depois, em 22 de Fevereiro de 1255, confirma-lhe o castelo de Sesimbra, recuperado havia anos, e no dia 24 desse mesmo mês e ano, confirma à Ordem de Santiago, nas pessoas do Mestre D. Paio Peres Correia e do Comendador, os castelos, outrora doados por D. Sancho I e confirmados por D. Afonso II, de Alcácer do Sal, Palmela, Almada e Arruda.

Julgamos indiscutível que esta atitude de D. Afonso III e da Cúria regia plena, ou pelo menos alargada, só pode ser interpretada como concretização de uma política de atracção, atendendo a que D. Paio Correia, mestre da Ordem de Santiago, era português. E não poderá ser interpretada de outro modo, dado que a sede da Ordem estava em Uclés, no reino de Castela, e Afonso X, apesar dos compromissos tomados em 1253 e mais tarde em 1263 e mesmo em 1267, continuava a estender a sua jurisdição sobre o Algarve por via eclesiástica, como já tivemos ocasião de demonstrar. Além disso, se excluirmos a existência desta estratégia política, claramente nacionalista, subjacente aos factos revelados, será impossível harmonizar estas doações com o protesto formulado por D. Afonso III, em 22 de Janeiro de 1254, contra a nomeação de D. Roberto para o bispado de Silves e com o propósito régio de «recuperar e submeter a seu domínio as possessões e padroados das igrejas que lhe eram concedidas, a “D. Roberto” e aquela igreja que era sua», logo que pudesse! Por outro lado, consolidar as posições da Ordem, cuja sede estava em Castela, e, por isso, na dependência de Afonso X, sem objectivos estratégicos de grande alcance seria nocivo aos interesses de Portugal, que a política de D. Afonso III procurou sempre salvaguardar.

Planta da fortaleza de Castro Marim
Cortesia de separatarevistacaminiana

Se bem repararmos, estas doações e confirmações reportam-se a áreas que podemos considerar periféricas, em relação aos principais centros urbanos do Algarve e seus termos. O facto não deve causar estranheza. Tem de ser apreciado à luz dos acontecimentos políticos, conduzidos pelas cláusulas do tratado de 1253, relativamente ao casamento bígamo de D. Afonso III, do direito ao usufruto do Algarve por Afonso X até aos sete anos do futuro rei D. Dinis, que, na prática, se completaram em 1267 e das dissensões existentes entre os dois monarcas, durante as quais D. João de Aboim um homem do Alto Minho, serviu de intermediário e fiel depositário da confiança de ambos, pelo que lhe foi cometido o governo dos castelos de Tavira, Loulé, Faro, Paderne, Silves e Aljezur.
Em última instância e apesar da situação «neutral» de D. João de Aboim, mordomo, do rei, juridicamente, que não de facto, estes castelos continuavam numa certa dependência de Afonso X, não os reclamando o rei português por duas razões:
  • primeiro, porque enquanto durou a situação de bigamia e o interdito do reino não podia contar com o apoio oficial da Igreja, apesar da presença dos bispos na Cúria régia;
  • depois, porque tendo-se os acontecimentos encaminhado no sentido de uma resolução pacífica, a partir de 1263, seria imprudente precipitá-los.
A solução chegou, finalmente, pelo tratado de Badajoz, em 16 de Fevereiro de 1267, cujo clausulado impunha a D. João de Aboim a entrega dos referidos castelos ao monarca português, declarando-o, ao mesmo tempo, bem como a seu filho, quites da homenagem que por eles, como fiéis guardiões, deviam a Afonso X. A consolidação jurídica desta nova situação surgiria pouco depois, quando, em 7 de Maio de 1267, Afonso X dispensou o rei de Portugal da obrigação de, eventualmente, lhe prestar auxílio militar com cinquenta homens de lança.

O castelo de Castro Marim, lado norte
Cortesia de separatarevistacaminiana

Relações entre a Ordem de Santiago e D. Afonso III
Com as observações precedentes não queremos perder de vista as ligações da Ordem de Santiago com o Algarve português, sendo, por isso, lícito indagar o que neste domínio se terá passado nos anos seguintes ao tratado de Badajoz, que devolveu a D. Afonso III a plenitude jurídica sobre o Algarve.
Embora não tenhamos encontrado o documento-chave, que sempre se deseja nestes estudos, podemos afirmar que a Ordem de Santiago foi reforçando as suas posições, influência e exigências no Algarve, onde só podia exercitar o essencial da sua “Regra e Constituições” enveredando pelo “projecto de defesa do território”, agora inteiramente na posse de cristãos.

Mas não se esqueça que a casa-mãe da Ordem continuava em Castela e o ramo português, conduzido por um comendador, D. João Raimundes, sediado em Cacém, dependia do mestre, que, por sinal, ainda era D. Paio Peres Correia.
A influência que Afonso X exercia no Algarve, através dos padroados eclesiásticos, inclusive depois de 1267, tinha um poderoso apoio na presença da Ordem de Santiago. A primeira, isto é, a influência por via eclesiástica, foi energicamente sacudida pelas tomadas de posição do bispo de Silves, D. Bartolomeu, e seu Cabido, que, em 1270, declaram não reconhecerem outro senhor senão D. Afonso III, renunciando, por isso, a todas as doações e direitos outorgados pelos reis de Castela, mesmo que tivessem sido confirmadas por autoridade pontifícia.

No tocante à presença da ordem de Santiago no Algarve, ter-se-á concretizado um processo, de algum modo similar, conforme decorre da concórdia datada de 30 de Dezembro de 1271, assinada com o rei pelo comendador e procurador da Ordem, para isso habilitado por procuração outorgada em Mérida, em 3 de Novembro de 1271». In José Marques, Os Castelos algarvios da Ordem de Santiago no reinado de D. Afonso III, Separata da Revista Caminiana, Ano VIII, Braga 1986.

Cortesia de Revista Caminiana/JDACT