segunda-feira, 17 de agosto de 2020

A Demanda do Santo Graal. Manuscrito do Século XIII. «Eu vo-lo direi, disse ela, pois tendes gosto de o saber. Sabei que esta espada, que agora vedes tão formosa e tão limpa, ficará toda tinta de sangue quente e vermelho…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Tristão. A Graça do Santo Graal. A Demanda

«(…) Como o rei disse a Galvão mal. E quando o rei viu que todos haviam feito esta promessa, teve grande pesar e grande amargura em seu coração porque viu que não podia fazê-los voltar atrás de modo algum. E disse a Galvão: vós me haveis morto e escarnecido porque por esta promessa que fizestes, me tirastes a melhor companhia e a mais leal que nunca houve no mundo, a companhia da távola redonda; porque, depois que partirem daqui, sei bem que não tornarão tão cedo, antes morrerão muitos nesta demanda, porque não terá tão cedo fim como cuidais; e por isso me pesa, porque sempre lhes fiz honra de todo meu poder, e lhes quis bem e quero, como se fossem meus irmãos ou meus filhos. E por isto me é grave sua partida, e quando eu, que os costumava ver e ter sua companhia, os não vir, grande dor sofrerei e grande pesar. Depois que isto disse, o rei começou a pensar muito; e ele pensando, começaram-se-lhe ir as lágrimas dos olhos pelas faces, assim que todos o viram. E, ao cabo de um tempo, disse de modo que todos o ouviram: Galvão, Galvão, vós me metestes tão grande pesar no coração, que jamais sairá até que desta demanda veja o fim, porque terei grande pesar e pavor de perder nela meus amigos. Ai, senhor, disse Lancelote, que dizeis? Tal homem como vós não deveria ter pavor, mas ânimo e boa esperança. Certamente, se morrêssemos todos nesta demanda, maior honra seria do que morrer em outro lugar. Ai, Lancelote, disse o rei, o muito grande amor que sempre tive por vós e por eles me faz isto dizer. E não é grande maravilha, se tenho grande pesar, porque nunca rei cristão teve tantos cavaleiros, nem tantos homens bons à sua mesa, como hoje tenho, nem terá jamais. E por isso receio que jamais estarão reunidos aqui nem em outro lugar, como agora estão.

Galvão e a donzela feia

Como a donzela feia chegou à casa de rei Artur. A isto que o rei disse, não soube Galvão o que responder, porque sabia que dizia a verdade, e fizera-se de bom grado a fora, se pudesse, mas não podia pelos outros que prometeram já, como ele. E, além disso, porque sabia já a rainha e as donas e as donzelas todas que a demanda do santo Graal estava já começada e os que haviam de ir, haviam de sair de manhã. Então começaram as mulheres a sua lamentação tão grande a fazer, que era maravilha, e foram entrar no paço como loucas. Mas o rei acordou com estas vozes e com este rebuliço que as mulheres faziam nos aposentos da rainha. Estava o rei com os seus ricos homens com grande pesar pensando. Nisto, eis que uma donzela entrou a pé e trazia uma espada que tinha o punho muito rico e muito formoso e a bainha muito bem lavrada; e ela reconheceu o rei e foi ao rei e disse-lhe: rei, não penses, porque teu pensar não vale nada; mas recebe isto que te trago e faze disto o que te eu mandar. Eu te digo que verás ainda tal coisa vir que a terás por maravilha.

Como a donzela fez tirar a espada. Então ergueu o rei a cabeça e disse-lhe: que dizeis, senhora? Digo-vos que tomeis esta espada e a façais tirar da bainha a cada um dos vossos cavaleiros da mesa redonda e vereis que grande maravilha por isso vos acontecerá; e depois aconselhar-vos-ei o que havereis de fazer. Ele pegou então a espada e tirou-a da bainha, e achou-a então muito formosa. E a donzela lhe disse: ora a podeis dar a outrem, porque não sois quem eu procuro. Ora dizei-me, donzela, disse o rei, que maravilha pode disso advir e acreditaremos em vós por isso mais, quando a virmos. Eu vo-lo direi, disse ela, pois tendes gosto de o saber. Sabei que esta espada, que agora vedes tão formosa e tão limpa, ficará toda tinta de sangue quente e vermelho, assim que a tiver na mão aquele que fará a maravilha de matar cavaleiros nesta demanda mais que outrem. Esta espada trouxe eu aqui para o conhecerdes e para o fazerdes aqui ficar, porque, sem falha, se ele for, tanto mal e pensar haverá e tanta mortandade de homens bons, que vós vos chamareis, a seu retorno, rei pobre, deserdado de bons fidalgos. Por Deus!, donzela, disse o rei, mais me vale perdê-lo do que me sobrevir tanto mal por ele. E melhor é cada um provar. Pois, disse ela, provai qual é, porque o podeis entender e reconhecer por isto que vos digo. Então deu o rei a espada a Galaaz e sacou-a da bainha, e não se mudou de qual era. O rei disse: vós estais quite. E Galaaz deu-a a seu pai, e seu pai tirou-a, e não apareceu nada. E depois a Boorz de Gaunes, e a Heitor e a Persival de Galas e a Erec, filho do rei Lac, e a Gaeriete; mas nada se mostrou em nenhum destes. E então a pegou Galvão, e logo que a sacou da bainha, ficou toda coberta de sangue, toda de uma parte e da outra, tão quente e tão vermelho, como se a sacassem do corpo de homem ou de chaga». In Manuscrito do Século XII, Heitor Magale, A Demanda do Santo Graal, TA Queiroz, Editora da Universidade de S. Paulo, 1988, CDD 398 46, 1989, ISBN 858-500-874-1.

Cortesia de EUSPaulo/JDACT

JDACT, Escrita, Lendas, Século XIII, Literatura, Heitor Megale,