Abbaye des Fontaines. Pirinéus Franceses. 17h00
«(…) Quem me dera sentir o cheiro
da água, murmurou o mestre. O senescal olhou em direcção à janela. As vidraças
do século XVI encontravam-se abertas e permitiam que o aroma doce das pedras
molhadas e da vegetação verde enchesse o quarto. Ao longe, a água bramia. O seu
quarto tem uma vista magnífica. Foi uma das razões que me levou a querer ser
grão-mestre. O senescal sorriu, sabendo que o mestre estava apenas a brincar. Lera
as Crónicas e sabia que o seu mentor ascendera àquele lugar por ser capaz de se
adaptar a cada viragem do destino com a mestria de um génio. A sua liderança
caracterizara-se pela paz, mas tudo isso iria mudar em breve. Devo rezar pela
sua alma, disse o senescal. Há tempo para isso mais tarde. É preciso que te
prepares. Para quê? Para o conclave. Reúne os votos. Prepara-te. Não dês tempo
aos teus inimigos para se organizarem. Lembra-te de tudo o que te ensinei. A voz
rouca cedeu à doença, mas existia ainda firmeza no seu tom. Não sei ao certo se
quero ser grão-mestre. Queres. O amigo conhecia-o bem. A modéstia exigia que
recusasse o manto, mas ele desejava aquela posição mais do que qualquer outra
coisa na vida. Sentiu a mão do mestre a tremer. E foram precisos alguns minutos
para que ele recuperasse. Já preparei a mensagem. Está ali, sobre a mesa. Também
estava a par que seria responsabilidade do próximo mestre estudar aquele
testamento. O dever tem de ser cumprido, afirmou o mestre. Tal como tem acontecido
desde o Início.
O senescal não queria ouvir falar
do dever. Estava mais preocupado com os sentimentos. Olhou em redor do quarto,
mobilado apenas com uma cama, um genuflexório virado para um crucifixo de
madeira, três cadeiras com uma almofada bordada, uma escrivaninha e duas
estátuas antigas de mármore colocadas em nichos na parede. Tempos houvera em
que aquele quarto estivera repleto de peles espanholas, porcelanas de Delft,
mobiliário inglês. Contudo, a audácia há muito que fora expurgada do carácter
da Ordem. Assim como do seu.
O mestre estava com dificuldade
em respirar. Observou o homem ali deitado num torpor febril e doente. O grão-mestre
recuperou o fôlego, pestanejou umas quantas vezes e depois disse: ainda não,
meu amigo. Em breve.
Malone esperou até um pouco depois da hora marcada para o início do leilão e só nessa altura entrou. Estava familiarizado com os procedimentos e sabia que as licitações não começariam antes das dezoito e vinte, pois havia ainda assuntos relativos aos registos de compradores e acordos de vendedores que precisavam de ser verificados antes de o dinheiro começar a mudar de mãos. Roskilde era uma cidade antiga aninhada ao lado de um estreito fiorde de água salgada. Fundada pelos Vikingues, fora a capital da Dinamarca até ao século XV e continuava envolta num ambiente régio. O leilão ia ter lugar na baixa, perto da Domkirke, a catedral, num edifício à saída da Skomagergade, uma rua outrora dominada por sapateiros. Na Dinamarca, a venda de livros era uma forma de arte e havia um profundo interesse nacional pela palavra escrita, que Malone como bibliófilo muito apreciava. Os livros haviam começado por ser apenas um passatempo, uma distracção das pressões da sua profissão arriscada, mas agora eram a sua vida. Ao ver Peter Hansen e Stephanie na fila da frente, deixou-se ficar para o fundo, atrás de um dos pilares que suportava o tecto abobadado. Não fazia tenções de licitar, por isso pouco importava se o leiloeiro o via ou não. Os livros iam e vinham a troco de grandes quantias de dinheiro. Reparou que Peter Hansen esticou o pescoço quando o livro seguinte foi apresentado.
Pierres
Gravées du Languedoc, de Eugène Stüblein. Copyright de 1887, anunciou o
leiloeiro. Uma história local, bastante comum naquela época. Foram impressas
apenas algumas cópias. Esta faz parte de um lote que adquirimos recentemente. É
um livro muito bonito, capa em pele, sem defeitos e com gravuras extraordinárias,
uma delas reproduzida no catálogo. Não é nosso hábito fazê-lo, mas este volume é
encantador e, por isso, pensámos que seria interessante mostrá-la. Podem começar
a licitar, se fazem favor. Seguiram-se três ofertas, sendo a última de
quatrocentas coroas. Malone fez as contas. Dava sessenta e quatro dólares. Hansen
acenou para oitocentas. Nenhum dos outros licitadores avançou mais propostas até
que um dos funcionários destacados para atender as chamadas telefónicas daqueles
que não podiam estar presentes anunciou uma oferta de mil coroas. Hansen
parecia preocupado com o desafio inesperado, em especial vindo de um licitador
anónimo, e subiu a sua oferta para mil e cinquenta coroas». In Steve Berry, O
Legado dos Templários, 2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN
978-972-203-808-9.
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