Agosto de 1799
«(…) Desde a sua partida, a
França encontrava-se num estado de desordem inacreditável. A antes grande
esquadra nacional, fora destruída pelos britânicos, isolando-o no Egipto. O
directório governante demonstrava a intenção de guerrear com todas as nações
monarquistas, tornando-se inimigo da Espanha, Prússia, Áustria e Holanda. Para
eles, o conflito parecia ser uma forma de prolongar o poder e recuperar um
tesouro nacional cada vez mais escasso. Ridículo. A República era um verdadeiro
fracasso. Um dos pouco jornais europeus que chegavam do outro lado do
Mediterrâneo previra que era uma mera questão de tempo até que outro Luís se
sentasse no trono francês. Ele tinha de voltar para casa. Tudo o que estimava
parecia estar desintegrando-se. A França precisa do general!, disse Monge. Agora
você está falando como um revolucionário. Seu amigo riu. Que é o que sou.
Sete anos antes, Napoleão
presenciara outros revolucionários tomarem de assalto o Palácio das Tulherias e
destronarem Luís XVI. Ele se tornara, então, um fiel servidor da nova República
e lutara em Toulon, sendo promovido, sucessivamente, a brigadeiro-general,
general do Exército do Leste e comandante na Itália. Dali, marchara para o
norte e dominara a Áustria, retornando a Paris como herói nacional. Agora, com
30 anos recém-completos, conquistara o Egipto como general do Exército do
Oriente. Mas o seu destino era governar a França. Que superfluidade de coisas
maravilhosas!, exclamou ao admirar novamente as grandes pirâmides. Ao cavalgar
do acampamento, vislumbrara trabalhadores atarefados que limpavam a areia de
uma esfinge semi-enterrada. Ele mesmo havia ordenado a escavação daquela guardiã
austera e estava contente com os progressos. Esta é a pirâmide mais próxima do
Cairo, a chamamos, portanto, de Primeira, disse Monge. Apontou para outra. A
Segunda. A mais distante é a Terceira. Se pudéssemos ler os hieróglifos, saberíamos,
talvez, quais eram os seus verdadeiros nomes. Concordava com ele. Ninguém era
capaz de compreender os estranhos sinais presentes em quase todos os monumentos
antigos. Havia ordenado que fossem copiados; os desenhos eram tantos que os seus
artistas tinham gasto todos os lápis trazidos da França. Monge inventara um
modo engenhoso de manufacturá-los: derretendo projécteis de chumbo nos juncos
do Nilo. É possível que ainda haja esperança, disse ele. E viu Monge assentir,
como se soubesse disso.
Ambos sabiam que uma pedra escura
e feiosa encontrada em Roseta, com três tipos diferentes de inscrições, hieróglifos
(a língua do Antigo Egipto), demótico (a actual) e grego, poderia conter a
resposta. No mês anterior, comparecera a uma sessão do Instituto Egipto, criado
por ele para estimular os seus savants, onde a descoberta havia sido anunciada.
Mas eram necessários muitos outros estudos. Estamos fazendo as primeiras
vistorias sistemáticas desses locais, afirmou Monge. Todos os que nos
antecederam eram meros saqueadores. Devemos celebrar os nossos achados. Outra
ideia revolucionária, pensou Napoleão. Típica de Monge. Leve-me para dentro,
ordenou. Na face norte, com o amigo a conduzi-lo, subiram por uma escada até
uma plataforma a 20 metros de altura. Meses antes, havia chegado até aquele
ponto com alguns dos seus comandantes, quando fizeram a primeira inspecção nas pirâmides.
Mas recusara-se a entrar no edifício, pois para isso teria de engatinhar diante
dos seus subordinados. Desta vez, curvou-se para a frente e foi serpeando por
um corredor de não mais de 1 metro de altura e da mesma largura, inclinando-se
subtilmente para baixo, pelo centro da pirâmide. A bolsa de couro pendia de seu
pescoço, balançando no ar. Chegaram a outro corredor, escavado na direcção
superior, onde Monge entrou. A rampa agora inclinava-se para cima, apontando
para um quadrado iluminado na extremidade mais distante. Emergiram e puderam
ficar de pé, a magnitude do lugar preenchendo-o com reverência. A luz
bruxuleante das lamparinas a óleo, viu um tecto que se erguia a uma altura de
quase 10 metros. O chão era de um aclive íngreme, ao longo de mais alvenaria de
granito. Paredes projectavam-se para fora numa série de cantiléveres, construídos
uns sobre os outros para formarem uma abóbada estreita. É magnífico, suspirou. Começamos
a chamá-la de Grande Galeria. Um rótulo apropriado». In Steve Berry, Vingança em
Paris, 2011, Livros d’Hoje, 2012, ISBN 978-972-204-916-0.
Cortesia de Ld’Hoje/JDACT
JDACT, Steve Berry, Literatura,