«Escócia, século VI. Bridei tem quatro anos quando os seus pais o confiam a Broichan, um poderoso druida do reino de Fortriu, com quem aprenderá a ser um homem erudito, um estratega e um guerreiro. Bridei desconhece que a sua formação obedece ao desígnio de um concelho secreto de anciãos e que está destinado a desempenhar um papel fundamental no destino do instável reino de Fortriu. Porém. Algo irá mudar para sempre o seu mundo e, provavelmente, arrasar os planos de Broichan: Bridei encontra uma criança, ao que tudo indica abandonada pelos Boas-Gente. Todos concordam que o melhor será assassiná-la, mas Bridei decide salvá-la a todo o custo. E assim, ambos crescem juntos, e a bebé Tuala transforma-se numa bela mulher. Contudo, Broichan presente o perigo que ela representa, pois a jovem poderá vir a ter um papel importante no futuro de Bridei…, ou causar a sua perdição». In Sinopse
«O druida estava à entrada, imóvel como uma figura esculpida em pedra escura, observando os cavaleiros a subirem a encosta. A noite estava a chegar. Para lá do bosque de carvalhos, via-se o brilho suave do Lago da Serpente. À luz do crepúsculo, as gralhas recolhiam, fazendo ouvir a sua linguagem entrecortada, secreta. Era Outono. A festa do Equinócio já passara. O ar estava azul, tão frio que custava a respirar. Os guerreiros aproximaram-se da entrada e, uns a seguir aos outros, desmontaram. A princípio, parecia que não tinham trazido o rapaz. O druida escondeu um misto de desapontamento, frustração e ira. Foi então que Cinioch, o último a desmontar, disse: toca a andar, rapaz, mexe-te, e Broichan viu o pequeno vulto a cavalo. Viera sentado atrás de Cinioch. Estava bem agasalhado por tecidos de lã. Os outros ajudaram-no a desmontar e fizeram-no avançar até ao druida, para uma verificação rigorosa. Tão pequeno. Teria cinco anos, como dissera Anfreda na carta ao avisá-lo da sua escolha? Ainda era muito pequeno para ser enviado para Fortriu, que ficava tão longe de casa, e também era muito pequeno para aprender. O druida sentia a fúria aumentar. Esforçou-se por controlar a respiração.
Eu sou Broichan, disse, olhando
para baixo. Bem-vindo a Pitnochie. O rapaz levantou, os olhos e examinou o
rosto de Broichan, depois o manto escuro, o bordão de carvalho com desenhos
intrincados e o cabelo preto, cheio de tranças pequenas, presas por fitas
coloridas. Mas o rapaz tinha as pálpebras semicerradas; estava a dormir em pé.
Gwynedd era longe, a duas luas de jornada. O druida observou-o em silêncio a
endireitar os ombros, a erguer o queixo, a respirar fundo e a franzir as
sobrancelhas, concentrando-se. Eu sou Bridei, filho de Maelchon, disse o rapaz
com voz pouco segura mas clara. Em seguida, respirando fundo novamente
prosseguiu, esforçando-se por não dizer disparates: que a... A Que Brilha
ilumine o teu caminho. Olhou para Broichan. Tinha os olhos azuis como duas
celidónias; via-se no olhar que tinha medo, era evidente, mas aquela amostra de
gente não se deixava intimidar e, graças aos deuses, Anfreda ensinara ao filho
a língua dos Priteni. A tarefa de Broichan seria mais fácil. Talvez, afinal de
contas, ele não fosse demasiado novo apesar dos quatro anos. Que a Guardiã das
Chamas aqueça o teu coração, disse Broichan, respondendo apropriadamente. O
druida escrutinou as feições miúdas de perto. O queixo firme era o de Maelchon,
assim como o porte altivo e aquela vontade de ferro que lhe mantinha os olhos
abertos apesar do sono e lhe recordava as palavras certas naquele mundo
estranho onde acabava de acordar. Os doces olhos azuis, os cabelos castanhos
encaracolados, a testa franzida, eram de Anfreda. O sangue dos Priteni corria
com força nas veias daquela criança. A mãe fizera uma boa escolha. O druida
estava satisfeito. Vem, disse Broichan. Vou mostrar-te onde vais dormir. Cinioch,
Elpin, Urguist, bom trabalho. Tendes comida à espera lá dentro. O rapaz seguiu
Broichan em silêncio quando este entrou na casa sob os olhares curiosos dos
servos e se dirigiu para o salão, onde estavam dois anciãos, Erip e Wid, e
alguns cães enormes, perto da lareira. Os animais levantaram os focinhos e rosnaram.
O rapaz hesitou, mas não disse nada.
Erip
e Wid tinham em frente, sobre uma mesa, um tabuleiro de jogo e algumas peças
esculpidas em osso. Os olhos de Bridei foram atraídos pelas sacerdotisas, guerreiros
e druidas esculpidos em osso, todas do tamanho de um dedo mindinho. Hesitou. Bem-vindo,
rapaz, disse Erip com um sorriso desdentado. Gostas de jogos? Ele acenou
afirmativamente. Nesse caso, estás aqui bem, disse Wid, coçando a barba branca.
Somos os melhores jogadores de Fortriu. Recantos do Corvo, Parte o Muro, Avançar
e Recuar, somos peritos. És parecido com a tua mãe, miúdo. Os olhos azuis do
rapaz olharam, inquiridores, para o ancião. Chega, disse Broichan. Anda comigo,
rapaz. Tinha de lembrar a Wid e a Erip que a educação do rapaz era da sua
exclusiva responsabilidade. A nova vida de Bridei começava a partir dali; o
rapaz caminharia sem o fardo de saber quem era. Teriam tempo para isso quando
ele crescesse. Teriam uns dez, quinze anos, se os deuses lhes sorrissem. Broichan
tinha de transformar a criança num homem, pronto a desempenhar o relevante
papel que lhe cabia no futuro de Fortriu. A educação de Bridei tinha de ser perfeita.
Na realidade, era uma vantagem ele ser tão novo. Quinze anos seriam à justa». In Juliet Marillier, O
Espelho Negro, Crónicas de Bridei, 2005, Editora 11 X 17, 2010, ISBN 978-972-252-138-3.
Cortesia de Editora 11X17/JDACT
JDACT, Juliet Marillier, Literatura,