sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O Mundo na Era da Globalização: Parte IV. «… há que admitir que a ideia de risco sempre andou associada à modernidade, mas, na minha opinião, na época actual ela assume uma importância nova e peculiar. O risco era considerado um meio de regular o futuro, de o normalizar e de o colocar sob o nosso domínio. Mas as coisas não se passaram assim»

Cortesia de interpsic

Risco
«Mas a aceitação do risco é também um dos requisitos da excitação e da aventura. Pensemos no prazer que as sentem a jogar, a conduzir a alta velocidade, nas aventuras sexuais ou a mergulhar na montanha-russa de qualquer feira Além do mais, a aceitação positiva do risco é, a própria fonte de energia criadora de riqueza numa economia moderna.

As duas faces do risco, os seus lados positivo e negativo, apareceram durante a primeira fase da sociedade industrial moderna. O risco é a dinâmica estimuladora de uma sociedade empenhada na mudança, apostada em determinar o seu próprio futuro, em vez de depender da religião, da tradição ou dos caprichos da natureza. A atitude em relação ao futuro é o que distingue o capitalismo moderno de todas as formas anteriores de organização económica. As empresas e os sistemas de mercados eram de tipo irregular ou parcial. As actividades dos mercadores e dos que se empenhavam em trocas com o exterior nunca fez grandes mossas nas estruturas das civilizações tradicionais, que se mantiveram profundamente agrícolas e rurais. Ao calcular possíveis ganhos e perdas e, portanto, o risco, num processo contínuo, o capitalismo moderno coloca-se no futuro. Isto não era possível antes da introdução do sistema de partidas dobra das na contabilidade, que só se verificou na Europa do século XV; este sistema tornou possível definir a forma precisa de investir dinheiro para conseguir o maior lucro.

Cortesia de luisaleilamonteiro

Sem dúvida que há muitos riscos, os riscos de saúde, por exemplo, que pretendemos reduzir até onde podemos. É por isso que, desde as origens, a noção de risco deu origem à criação de seguros. E não devemos pensar apenas em termos de seguros privados ou comerciais. O Estado-providência, cuja evolução podemos seguir até à origem, às leis dos pobres da Inglaterra de Isabel I, é, na sua essência, um sistema de gestão de riscos. Destina-se a proteger as pessoas contra riscos que antes eram considerados como dependentes da vontade dos deuses: doença, invalidez, perda do emprego e velhice.
O seguro é a base a partir da qual as pessoas se preparam para assumir riscos. E uma base de segurança de onde o destino foi expulso por um contrato activo com o futuro. Como aconteceu com a noção de risco, os sistemas modernos de seguros começaram com a navegação. As primeiras apólices de seguros marítimos datam do século XVI. Uma companhia de Londres aceitou o primeiro seguro marítimo em 1782. A Lloyds, de Londres, adquiriu rapidamente uma posição dominante no negócio emergente dos seguros, uma posição que tem conseguido manter nos últimos dois séculos.

Cortesia de ordemnocaos

O seguro só tem razão de ser quando se acredita num futuro construído pelo homem. E um dos alicerces dessa construção. A actividade seguradora, como o próprio nome indica, serve para proporcionar segurança, mas, na realidade, alimenta-se do risco e das atitudes das pessoas em relação a ele. As instituições que proporcionam segurança, quer os seguros privados quer a assistência social, não fazem mais do que redistribuir o risco. Quando alguém faz um contrato de seguro para se proteger do fogo que lhe pode queimar a casa, o risco não desaparece. Por um prémio ajustado, o dono da casa transfere o risco para a seguradora. Esta transferência não é apenas mais uma característica da economia capitalista. Na verdade, sem ela, o capitalismo é impensável e não tem condições de funcionamento.

Por estas razões, há que admitir que a ideia de risco sempre andou associada à modernidade, mas, na minha opinião, na época actual ela assume uma importância nova e peculiar. O risco era considerado um meio de regular o futuro, de o normalizar e de o colocar sob o nosso domínio. Mas as coisas não se passaram assim.

As tentativas que fazemos para controlar o futuro acabam por se voltar contra nós, forçando-nos a procurar novas formas de viver com a incerteza. A melhor maneira de explicar o que está a acontecer é estabelecer uma distinção entre dois tipos de risco. A um, chamarei risco exterior. O risco exterior é o que nos chega de fora, das imposições da tradição ou da natureza. Quero distingui-lo do risco provocado que, para mim, é o risco resultante do impacte do nosso desenvolvimento tecnológico sobre o meio ambiente». In Anthony Giddens, O Mundo na Era da Globalização, Editorial Presença, 2ª edição, 2000, ISBN 972-23-2573-6.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT