Na ‘Divina Comédia’, o 515 simboliza o ‘Mensageiro
de Deus’.
No centro do banco evidencia-se a representação de Beatriz, símbolo da ‘Sophia’, um facho, signo da luz e do fogo.
No centro do banco evidencia-se a representação de Beatriz, símbolo da ‘Sophia’, um facho, signo da luz e do fogo.
jdact
(continuação)
A Reabilitação Científica do Esoterismo
Entrevista com José Manuel Anes
Os Quatro Elementos Constitutivos
do Esoterismo
«José: Isso corresponde
também ao que Gilbert Durand denomina, com muita razão, o politeísmo da alma.
Já que estamos afalar nesses dois grandes nomes das ciências humanas, Antoine
Faivre e Gilbert Durand, tenho de recordar o meu mestre e grande amigo, Lima de
Freitas, que me levou até eles. É um nome fundamental a referir. No conceito
destes estudiosos do imaginário e das correntes esotéricas, Lima de Freitas era uma figura de
grande destaque, respeitadíssimo.
Paulo: Foi um grande responsável pelo ‘desencantamento’ de Portugal O estudo
do esoterismo parecia estar e, de certo modo, ainda está um pouco, velado por
um ‘encantamento’. O mestre Lima de Freitas perguntava-se como era possível que
a riqueza da nossa tradição mítica e esotérica tivesse passado ao lado de um Guénon
e de um Evola.
José: Ele e outros,
naturalmente. Mas foi o grande anunciador da nossa tradição mítica aos
investigadores europeus.
Paulo: Aliás, o seu estudo sobre o 515 foi publicado primeiro em França, pela
Albin Michet (515, Le Lieu du Mirot),
e só agora está no prelo a edição portuguesa.
José: Desse 515 temos aqui
uma figuração, na Quinta da Regaleira. Na verdade, quer o Antoine Faivre, quer
o Gilbert Durand quer, sobretudo, o Henry Corbin, o que é que dizem? Gilbert Durand
estabelece uma doutrina do imaginário. Descobre, para já, que o imaginário,
sendo aparentemente caótico, tem leis, um pouco como na doutrina do caos em que
há leis que organizam o caos. No imaginário isso também acontece. Já Gaston
Bachelard, no início do século XX, tinha apontado para uma estrutura do imaginário.
Gilbert Durand encontra uma estrutura do imaginário que divide em dois regimes,
o diurno e o nocturno, estando este último subdividido no sintético e no
místico. Associa às manifestações religiosas e místicas o imaginário nocturno, místico,
a
Lua. Associa ao regime diurno as separações, as distinções, a
racionalidade, a claridade, a heroicidade. Por último, talvez o mais importante
desses regimes, a estrutura nocturna sintética, onde existe um tipo de
racionalidade muito relacionado com as analogias, com a doutrina das correspondências.
Associando ao regime diurno a lógica binária aristotélica, associando ao regime
nocturno a ilógica, ou a irracionalidade total desse mundo lunar, o que é que
resta? Resta o regime daquilo a que Antoine Faivre chama a Hermetica Ratio, a razão
hermética, que é uma lógica do terceiro incluído. Existe uma lógica da
exclusão, mas esta é uma lógica da inclusão, da inclusão dos contrários. Um
distinto professor de filosofia, francês, que tem vindo ao Instituto Piaget, o
Jean-Jacques Wunenburger, é um discípulo de Gilbert Durand, tem um livro já
traduzido para português A Razão Contraditória, e é exactamente
a esta lógica do terceiro incluído e da inclusão dos opostos que reporta o seu
trabalho, a mesma lógica onde se situam as correntes do esoterismo; essa ponte entre
a luz do dia e o negro da Lua, esse regime intermédio do mundo imaginal; esse
mundo intermédio entre a matéria e o espírito, entre as emoções e as razões da ratio.
Paulo: Essa dimensão que proporciona a superação do dualismo, da dialéctica
entre o preto e o branco...
José: Certamente. É esse
regime, essa lógica do terceiro incluído, da não exclusão, que faz aponte entre
os opostos. É uma lógica integradora e isso é muito interessante. Vários
discípulos de Gilbert Durand, quer na filosofia, quer na sociologia, estão a
propor estas novas metodologias do imaginário para as áreas de ciências humanas
onde são especialistas.
Paulo: No fundo é criar um novo paradigma...
José: Exactamente. Sem a
pretensão de criar uma nova disciplina, mas fazendo propostas que têm o seu
sentido, e que são úteis, porque são, digamos, heurísticas, boas para a
investigação. São propostas muito interessantes, quer na literatura, quer na
sociologia, quer na antropologia... Eu penso que é exactamente este regime,
esta lógica, esta razão hermética que faz a ponte entre os dois regimes
opostos: o regime solar e o regime lunar.
Paulo: Aí entramos no papel fundamental da imaginação criadora, já não considerada,
como Aristóteles o fez, como a ‘louca da
casa’... Contudo, já no século XVI Giordano Bruno afirmou que imaginação
não é sinónimo de fantasia, mas sim o órgão da alma, ou seja, por um lado
sustenta que temos os cinco sentidos que nos dão informação sobre o mundo
sensível, e que, por outro lado, temos a imaginação, o órgão que permite comunicar
com o mundo invisível. Hoje diríamos que permite a comunicação com o mundo imaginal.
José: Absolutamente. O
próprio Paracelso afirma o mesmo. Dizia que o órgão, a capacidade dos alquimistas,
era a imaginação verdadeira, a imaginatio vera, que não é, a
fantasia. A phantasey, de facto, é aquela imaginação caótica. Ora a imaginação
verdadeira, a imaginação activa, como lhe chamava Jung, ou imaginação criadora,
é uma imaginação que tem uma estrutura organizadora». Continua.
In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições &
Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.
Cortesia de Ésquilo/JDACT