sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Crónica Esquecida d’el rei João II. Seomara Veiga Ferreira. Leituras. «D. Leonor morreu de repente com todos os sintomas aparentes de ter sido envenenada e, ainda por cima, depois do seu grande inimigo e adepto do Regente, Álvaro de Luna, ter vencido os seus ‘inimigos’ aragoneses em Olmedo. A Rainha, imiscuída por questões familiares nos complicados jogos políticos…»


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«Desejava o lugar. Achava-se com direito a ele. Em Janeiro do ano seguinte à morte do infante João, o conde de Ourém entra, e tal como o pai já o fizera, em guerra com o primo. O pai, sendo duque, vinculou o título à família que era quase uma família real, rica, soberana. Como o senhor de Bragança morrera sem herdeiros, o Barcelos e o filho, a correr, ainda estava quente o corpo do rei Duarte, lá foram até Évora onde se alojava a Corte, a pedir o título e o senhorio-Ourém, o sábio conde, chegou ainda antes do pai e recebeu o título e a terra. Quando o gotoso Barcelos chegou, o irmão, negligentemente, afirmou já ter outorgado a benesse ao filho. Entre eles compuseram as coisas. O pai recebeu do filho a terra de que foi duque. Agora o Ourém queria ser condestável. O regente Pedro recusou-lho peremptoriamente.
O ano continuava mau para a família real, no que tocava ao infante Pedro. É em Junho que sabe da morte miserável do irmão Fernando no seu cativeiro de Fez. Não sentia remorsos. Opusera-se sempre à política marroquina, mas não sabia como reagiria o solitário de Sagres. Nem ninguém nunca soube. Quando se pensa num império e se o visualiza, pouca importância têm muitas vezes os homens que ficam pelo caminho. Isso era uma verdade. Só que na sua alma em sangue o infante Henrique deve ter pago a alguém, a ele próprio, a Deus, uma secreta agonia. Quantos anos ele pensara nesse irmão abandonado, miserável, feito refém e escravo da pertinente e implacável moirama cujo fanatismo é tão cruel como o dos cristãos? Ainda em 1443 morria a Pedro o sobrinho, Diogo. O Regente nomeou, então, condestável o seu próprio filho e recusou o cargo e o título ao conde de Ourém. Este impôs a sua nomeação por razões de hereditariedade. Não era ele neto de D. Nuno Álvares Pereira? Não fora João condestável por ser casado com uma neta do mesmo D. Nuno? O Regente não confirmou nem aceitou as pretensões do primo. Nada, nem ordem real, diploma ou qualquer outro documento comprovavam ou legitimavam a hereditariedade do cargo. Ourém persistiu e o Infante disse-lhe asperamente que, para um país de tão curta envergadura certamente lhe chegaria, por morte do pai, ser duque e três vezes conde. O conde, danado, foi-se embora. E não perdoou.
Foi, depois disto tudo que, no ano seguinte, enquanto se entabulavam conversações através de Fernando, conde de Arraiolos, conversações que nunca teriam o fim desejado, se soube da trágica morte da mãe do Rei em Toledo e aí, mais uma vez, a suspeita envenenou os espíritos e a memória do Infante ainda hoje.
D. Leonor morreu de repente com todos os sintomas aparentes de ter sido envenenada e, ainda por cima, depois do seu grande inimigo e adepto do Regente, Álvaro de Luna, ter vencido os seus inimigos aragoneses em Olmedo. A Rainha, imiscuída por questões familiares nos complicados jogos políticos entre Aragão, Castela, Navarra, sem apoios nem dinheiro, abandonada de todos, extingue-se, depois de ver os irmãos vencidos e, o que é mais estranho é que Álvaro de Luna era o que conquistara os louros, o que o Regente apoiava com reforços onde incluíra o próprio filho condestável, apenas com dezasseis anos, e que combatera em Olmedo. Os Infantes aragoneses foram vencidos. Um, Henrique, morreu em combate e o outro, arrasado, refugiou-se nos Pirenéus. Ora Pedro, Regente de Portugal, pela mulher pretendente a Aragão e Catalunha, por necessidades de paz, apoiara Castela e Álvaro de Luna. Depois o Infante Pedro cometeu outro erro, ou não seria? Em política existem momentos em que se joga tudo por tudo. Sucedeu que logo após a morte de D. Leonor, em 29 de Fevereiro de 1445, a irmã D. Maria de Castela, mulher do imbecil rei João II de Castela, morre envenenada em Villacastim. Imediatamente é posto a correr o boato terrível que o condestável de Luna envenenara as duas irmãs. Como o Regente de Portugal resolvera casar a sobrinha, filha do Infante João, com o rei viúvo de Castela dizia-se furtivamente que teria sido conivente.
O Regente Pedro tratava apenas das suas opções políticas, arrumava os sobrinhos, olhava-lhes pelo futuro. A prova é o cuidado na educação dos filhos dos irmãos mortos. É ele que escolhe para mestre da Infanta D. Catarina irmã de Afonso V, e a conselho do padre João Rodrigues, que se escusou ao convite, o futuro cardeal Jorge da Costa de que irei falar muito... e do qual dependeu também, em parte, o meu destino, o do Reino, e o de Manuel que hoje é Rei de Portugal, Manuel I». In Seomara Luzia da Veiga Ferreira, Crónica Esquecida d’el rei João II, Editorial Presença, Lisboa 1995, 4ª edição, Lisboa 2002, ISBN 972-23-1942-6.

Cortesia de Editorial Presença/JDACT