«Posteriormente, o já
mencionado Manuel Murguía, grande amigo de Eduardo Pondal, daria novo fôlego à
teoria, afirmando que, embora os celtas não fossem originários da Galiza, foram
seus conquistadores, num processo que acabaria por delinear, de forma
irrevogável, a identidade do povo galego.
Estas teorias tinham, decerto, uma finalidade específica: reinterpretar
certas evidências históricas (por exemplo, estruturas arqueológicas, como os
castros, vestígios de fortificações do tempo da ocupação romana, no território galego),
de modo a inseri-las num projecto de identidade nacional que diferenciasse a Galiza das outras nações europeias, e da
Espanha em particular.
Tratava-se da
fundamentação de uma nacionalidade galega, derivada de uma "situação geográfica especial, língua e
costumes diferentes e, acima de tudo, de uma raça celta que era diferente e
superior à condição étnica dos outros povos peninsulares",
empreendimento no qual a contribuição de Murguía seria determinante. A partir
de uma leitura idealizada dos celtas como um povo essencialmente heróico e de
feitos gloriosos, o Celtismo traria
algo desta "essência" para os próprios galegos, de modo a
representá-los como um povo nobre e façanhoso.
Os celtas, de facto,
habitaram a Península Ibérica: há registros de sua presença num poema do século
VI a.C., a "Ora Marítima", de Rufo Festo Avieno, que na verdade é
baseado em fontes mais antigas, sendo a principal um périplo massaliota do
século VI a.C.; há também menções a celtas na Península Ibérica em obras de
historiadores e geógrafos gregos. Todavia, a crença numa relação contínua entre
a cultura galega actual e os antigos celtas não resiste à percepção de que,
posteriormente, a Península Ibérica foi cristianizada, dominada pelos romanos e
pelos muçulmanos.
Por outro lado, a crença
no enraizamento da cultura galega nos celtas permaneceria forte no ideário
galego. Como afirmou Ramón V. Paz, no seu artigo Somos los gallegos celtas?:
- O celtismo foi um dos pilares mais firmes sobre os quais se assentou a identidade cultural da Galiza. Realmente, actuou como se tratasse de um "lugar de memória" colectivo. Nenhuma outra característica da história da Galiza teve em sua época defensores tão egrégios, nem tampouco qualquer construção intelectual sobre a identidade da Galiza penetrou tão rapidamente na mentalidade popular. O celtismo, como a chuva, acabou por se converter em algo consubstancial com a Galiza e com os galegos, tanto a partir de um olhar alheio como a partir da consciência própria. Não obstante, o celtismo é um feito intelectual plenamente histórico, isto é, que se reconhece num espaço temporal preciso. Não constitui nenhuma essência imutável; ao contrário, pode-se rastrear pormenorizadamente todo o processo de sua aparição, sua hegemonia, bem como seu enfraquecimento como paradigma interpretativo da Galiza. Dito em termos mais actuais, poderíamos falar perfeitamente do celtismo como um exemplo de invenção, no sentido de construção de um mito nacional, a partir da investigação histórica baseada na análise de alguns elementos objectivos, tanto materiais ou artísticos (megalíticos e castros, em primeiro lugar), como culturais e linguísticos.
De facto, González López,
na sua obra Grandeza y decadência del reino de Galicia, escreveria que:
- a toponímia galega, as tradições e costumes de nossa terra, os monumentos arqueológicos encontrados nela, as formas culturais fundamentais da vida humana, como a casa, o carro e o arado, que ainda sobrevivem, procedem dos tempos célticos, a psicologia de nosso povo, e, talvez, o substrato fonético de nossa língua galega são claros testemunhos do fundo étnico céltico da Galiza, de toda ela.
Similarmente, Costa
Clavell traça uma relação directa entre o "carácter galego" e
traços psicológicos dos celtas, afirmando que "a personalidade do povo celta
era, sem dúvida alguma, vigorosa e profunda", e que a Galiza
"deve aos celtas a inevitável consistência de sua diferenciada
personalidade nacional". Percebe-se, por conseguinte, a que ponto
o Celtismo tornou-se um elemento fundamental da identidade cultural galega, num
processo, aliás, mencionado por Miller, para quem as histórias nacionais contêm
elementos míticos na medida em que "interpretam
eventos de um modo particular, e também na medida em que elas amplificam o
significado de alguns eventos e diminuem o
significado de outros"». In Henrique Samin, A construção da
Identidade Galega nos Discursos Poéticos de “Rosália de Castro” e Eduardo
Pondal, Conexão Letras, volume 2, nº 2, 2006.
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