domingo, 18 de novembro de 2012

Há dias assim… Poesia (a noite desliza sem ruído…). Camilo Pessanha. «Eu vi a luz em um país perdido. As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis. Cessai de cogitar, o abismo não sondeis. E no vento expirais em um queixume brando, adormeci. Não suspireis. Não respireis»


Telas do meste Lima de Freitas
jdact e cortesia de wikipedia

Desce enfim…
Desce enfim sobre o meu coração
o olvido. Irrevocável. Absoluto.
Envolve-o grave como um véu de luto.
Podes, corpo, ir dormir no teu caixão.

A fronte já sem rugas, distendidas
as feições, na imortal serenidade,
dorme enfim sem desejo e sem saudade
das coisas não logradas ou perdidas.

O barro que em quimera modelaste,
quebrou-se-te nas mãos. Viça uma flor,
pões-lhe o dedo, ei-la murcha sobre a haste…

Ias andar, sempre fugia o chão,
até que desvairavas, do terror.
Corria-te um suor, de inquietação…


Tatuagens
Tatuagens complicadas do meu peito:
troféus, emblemas, dois leões alados…
Mais, entre corações engrinaldados,
um enorme, soberbo, amor-perfeito…

E o meu brasão… Tem de oiro num quartel
vermelho, um lis; tem no outro uma donzela,
em campo azul, de prata o corpo, aquela
que é no meu braço como um broquel.

Timbre: romance, a megalomania…
Divisa: um ai, que insiste noite e dia
lembrando ruínas, sepulturas rasas…

Entre castelos, serpes batalhantes,
e águias de negro, desfraldando as asas,
que realça de oiro um colar de besantes!


Quando?
Quando se erguerão as seteiras,
outra vez, do castelo em ruínas,
e haverá gritos e bandeiras
na fria aragem matutina?

Se ouvirá tocar a rebate
sobre a planície abandonada?
E sairemos ao combate
de cota e elmo e a longa espada?

Quando iremos, tristes e sérios,
nas prolixas e vãs contendas,
soltando juras, impropérios,
pelas divisas e legendas?

E voltaremos, os antigos
e puríssimos lidadores,
(quantos trabalhos e perigos!)
Quase mortos e vencedores?

[…]

E quando, ó doce infanta Real,
nos sorrirás do belveder?
Magra figura de vitral,
por quem nós fomos combater…

Sonetos e poema de Camilo Pessanha, in ‘Clepsydra

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