jdact e cortesia de wikipedia
Desce enfim…
Desce enfim sobre o meu coração
o olvido. Irrevocável. Absoluto.
Envolve-o grave como um véu de luto.
Podes, corpo, ir dormir no teu caixão.
A fronte já sem rugas, distendidas
as feições, na imortal serenidade,
dorme enfim sem desejo e sem saudade
das coisas não logradas ou perdidas.
O barro que em quimera modelaste,
quebrou-se-te nas mãos. Viça uma flor,
pões-lhe o dedo, ei-la murcha sobre a haste…
Ias andar, sempre fugia o chão,
até que desvairavas, do terror.
Corria-te um suor, de inquietação…
Tatuagens
Tatuagens complicadas do meu peito:
troféus, emblemas, dois leões alados…
Mais, entre corações engrinaldados,
um enorme, soberbo, amor-perfeito…
E o meu brasão… Tem de oiro num quartel
vermelho, um lis; tem no outro uma donzela,
em campo azul, de prata o corpo, aquela
que é no meu braço como um broquel.
Timbre: romance, a megalomania…
Divisa: um ai, que insiste noite e dia
lembrando ruínas, sepulturas rasas…
Entre castelos, serpes batalhantes,
e águias de negro, desfraldando as asas,
que realça de oiro um colar de besantes!
Quando?
Quando se erguerão as seteiras,
outra vez, do castelo em ruínas,
e haverá gritos e bandeiras
na fria aragem matutina?
Se ouvirá tocar a rebate
sobre a planície abandonada?
E sairemos ao combate
de cota e elmo e a longa espada?
Quando iremos, tristes e sérios,
nas prolixas e vãs contendas,
soltando juras, impropérios,
pelas divisas e legendas?
E voltaremos, os antigos
e puríssimos lidadores,
(quantos trabalhos e perigos!)
Quase mortos e vencedores?
[…]
E quando, ó doce infanta Real,
nos sorrirás do belveder?
Magra figura de vitral,
por quem nós fomos combater…
Sonetos e poema de Camilo
Pessanha, in ‘Clepsydra’
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