quarta-feira, 21 de novembro de 2012

FCG. Damião de Góis. Elisabeth Feist Hirsch. « Damião de Gois ripostou ao bispo italiano com um panfleto intitulado “De Rebus et Imperio Lusitanorum”, em que apoiava firmemente o monopólio e defendia com orgulho os êxitos do seu país…»


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«Em matéria de finanças as teorias monetárias propostas por Góis na Casa da Índia, em cartas posteriores e em outros escritos, dirigiam-se directamente contra medidas inflaccionárias. O rei João III, tal como o pai tinha feito antes e como outros governantes em dificuldades financeiras, aumentava, frequentemente com escasso aviso, o valor da moeda ou das taxas sobre mercadorias. Os negociantes que faziam os contratos para a venda das especiarias muito antes de chegarem a receber a mercadoria queixavam-se amargamente dessa política de João III. Além disso, muitos europeus, incluindo o Papa e Erasmo, tinham-se habituado a ter especiarias à mesa no seu dia a dia e não viam com bons olhos o aumento crescente do custo dos condimentos. Embora Góis se opusesse vigorosamente em conversas particulares ou em memorandos ao rei às manipulações financeiras de João III, coibia-se de críticas nos depoimentos públicos. Em resposta às censuras severas feitas por Paolo Giovio ao monopólio português de especiarias, Gois defendeu o rei até mesmo com fervor. Giovio pretendia no ensaio Embaixada Russa que a exclusão de todas as outras nações do negócio das especiarias por João III era causa de grandes males, e criticava duramente o rei em especial por um excesso de ganhos.
Damião de Gois ripostou ao bispo italiano com um panfleto intitulado “De Rebus et Imperio Lusitanorum”, em que apoiava firmemente o monopólio e defendia com orgulho os êxitos do seu país, orgulho esse que estava de harmonia com o espírito patriótico que se manifestava então pela Europa fora. Góis criticava mais ‘os lojistas mercenários e os retalhistas' do que os príncipes e os grandes negociantes pelo custo crescente dos condimentos, mostrando nisso um nítido preconceito a favor das classes sociais superiores. Não cuidava do aspecto monetário da questão, mas defendia João III na sua política de enorme sacrifício de homens e de dinheiro pela causa do programa português de expansão; tal programa, na opinião de Góis, justificava plenamente o controle real do comércio de especiarias, assim como os seus lucros.
É provável que a forte refutação de Gois às acusações feitas por Giovio reflectisse o apoio de poderosos círculos na Alemanha. Os grandes mercadores e banqueiros alemães como Fugger, Welser, e Hochstaetter tinham sofrido ataques semelhantes. Para defenderem os seus interesses nas dietas alemãs tinham escolhido Konrad Peutinger, secretário de Augsburgo, que era um humanista famoso e grande apreciador de antiguidades. Mesmo antes de Gois publicar De Rebus et Imperio Lusitonorum Peutinger tinha escrito uma apreciação da posição dos mercadores alemães na controvérsia e, utilizando o monopólio de especiarias de João III como exemplo, tinha-o defendido com os mesmos argumentos que Góis.
Góis também conhecia a Casa Fugger e os seus enérgicos agentes; a empresa e a iniciativa comerciais de Fugger igualavam as dos rei português. O ‘opúsculo’ de Góis, contudo, era grandemente dedicado àquilo que no fundo era um panegírico das viagens marítimas; para ele era importante sublinhar os pontos que Giovio descurara, e procurava corrigir a impressão criada por este de que o lucro era o móbil primordial das explorações dos portugueses. Gois dizia que o principal motivo dos arriscados empreendimentos do seu país era a difusão do cristianismo. Pretendia até que Portugal tinha sido escolhido para cumprir a frase bíblica: “Por toda a terra caminha o seu eco, até aos confins do mundo a sua palavra”».

In Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.

Cortesia da FC Gulbenkian/JDACT