«Em matéria de finanças as teorias monetárias propostas por Góis na
Casa da Índia, em cartas posteriores e em outros escritos, dirigiam-se
directamente contra medidas inflaccionárias. O rei João III, tal como o pai
tinha feito antes e como outros governantes em dificuldades financeiras,
aumentava, frequentemente com escasso aviso, o valor da moeda ou das taxas
sobre mercadorias. Os negociantes que faziam os contratos para a venda das
especiarias muito antes de chegarem a receber a mercadoria queixavam-se amargamente
dessa política de João III. Além disso, muitos europeus, incluindo o Papa e
Erasmo, tinham-se habituado a ter especiarias à mesa no seu dia a dia e não
viam com bons olhos o aumento crescente do custo dos condimentos. Embora Góis
se opusesse vigorosamente em conversas particulares ou em memorandos ao rei às
manipulações financeiras de João III, coibia-se de críticas nos depoimentos
públicos. Em resposta às censuras severas feitas por Paolo Giovio ao monopólio
português de especiarias, Gois defendeu o rei até mesmo com fervor. Giovio
pretendia no ensaio Embaixada Russa que a exclusão de todas as outras nações do
negócio das especiarias por João III era causa de grandes males, e criticava duramente
o rei em especial por um excesso de ganhos.
Damião de Gois ripostou ao bispo italiano com um panfleto intitulado “De
Rebus et Imperio Lusitanorum”, em que apoiava firmemente o monopólio e
defendia com orgulho os êxitos do seu país, orgulho esse que estava de harmonia
com o espírito patriótico que se manifestava então pela Europa fora. Góis
criticava mais ‘os lojistas mercenários e
os retalhistas' do que os príncipes e os grandes negociantes pelo custo
crescente dos condimentos, mostrando nisso um nítido preconceito a favor das
classes sociais superiores. Não cuidava do aspecto monetário da questão, mas
defendia João III na sua política de enorme sacrifício de homens e de dinheiro
pela causa do programa português de expansão; tal programa, na opinião de Góis,
justificava plenamente o controle real do comércio de especiarias, assim como
os seus lucros.
É provável que a forte refutação de Gois às acusações feitas por Giovio
reflectisse o apoio de poderosos círculos na Alemanha. Os grandes mercadores e
banqueiros alemães como Fugger, Welser, e Hochstaetter tinham sofrido ataques
semelhantes. Para defenderem os seus interesses nas dietas alemãs tinham
escolhido Konrad Peutinger, secretário de Augsburgo, que era um humanista famoso
e grande apreciador de antiguidades. Mesmo antes de Gois publicar De
Rebus et Imperio Lusitonorum Peutinger tinha escrito uma apreciação da
posição dos mercadores alemães na controvérsia e, utilizando o monopólio de
especiarias de João III como exemplo, tinha-o defendido com os mesmos
argumentos que Góis.
Góis também conhecia a Casa Fugger e os seus enérgicos agentes; a
empresa e a iniciativa comerciais de Fugger igualavam as dos rei português. O ‘opúsculo’ de Góis, contudo, era
grandemente dedicado àquilo que no fundo era um panegírico das viagens
marítimas; para ele era importante sublinhar os pontos que Giovio descurara, e
procurava corrigir a impressão criada por este de que o lucro era o móbil
primordial das explorações dos portugueses. Gois dizia que o principal motivo
dos arriscados empreendimentos do seu país era a difusão do cristianismo. Pretendia
até que Portugal tinha sido escolhido para cumprir a frase bíblica: “Por toda
a terra caminha o seu eco, até aos confins do mundo a sua palavra”».
In Elisabeth Feist Hirsch, Damião de Góis, Fundação Calouste
Gulbenkian, Lisboa, 1967.
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