sexta-feira, 9 de novembro de 2012

História da Civilização Ibérica. Oliveira Martins. «Não sendo um filósofo, podendo dizer-se que não escreveu romances, nem poesia, nem tragédias, nem comédias, há passagens da sua obra em que ninguém o excede como dramaturgo, como narrador, como economista, como moralista, como pintor e como poeta…»

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O Território
«Principiando por esta, encontramo-la limitada a Norte pelos maciços dos montes Hermínios, assim os romanos chamavam à nossa cordilheira central, e a Sul pelos da Serra Morena. Encostados às abas austrais das duas cordilheiras, correm o Tejo e o Guadiana, inscrevendo entre si a zona dos terrenos silúricos da metade Sul da Espanha. Para além do primeiro está a faixa dos granitos; para aquém do segundo os terrenos terciários do litoral mediterrâneo, nitidamente limitados pelo curso do Guadalquivir. Entre os dois rios ocidentais abre-se paralelamente a bacia do Guadiana.
A regularidade da estrutura orográfica desta parte da Espanha, evidente no quase paralelismo dos vales dos rios e da orientação das montanhas, não é correspondente na estrutura geológica. Profundas revoluções, erupções repetidas e frequentes, transtornaram muitas vezes a superfície da terra. As manchas plutónicas estendem-se ao longo dos montes de entre Guadiana e Guadalquivir, crivados de fendas repletas de filões metalíferos, de chumbo e de azougue, de prata e de cobre, de enxofre e de manganés; os depósitos hulheiros enchem as cuencas de Zafra, de Belmez, de Córdova já no fundo vale do antigo Bétis. Os granitos afloram no Viso e na Serena, ao Sul do Guadiana; e ao Norte, nas serras divisórias do Tejo, na de Zapata e de Montanches, na Estremadura espanhola; na de Portalegre e na Serra de Ossa, em Portugal. O nosso Algarve é formado por terrenos jurássicos que de envolta com estratificações cretáceas constituem também a zona litoral portuguesa de entre o Tejo e o Vouga e os lombos que prolongam a Serra da Estrela até Sintra. Finalmente achamos duas nódoas consideráveis de terrenos terciários marinhos: uma ao longo do Guadiana, desde Elvas e Olivença, por Mérida, à Serena; outra no vale do Tejo, desde a foz até Abrantes, com a bacia alenteana do Sorraia e mais para o Sul a do Sado, até Alcácer e até Sines, na costa.
Ao Sul do Guadiana há estepes e serranias mineiras, ao Norte planícies nuas de árvores, queimadas de sol, férteis de pão com as lombadas cobertas de sombrios azinhais. São o Alentejo, a Estremadura espanhola, e parte da Mancha eternizada pela obra de Cervantes.

O planalto das Castelas, onde no sopé do Guadarrama sobre um breve leito de terrenos diluvianos assenta Madrid; esse planalto de onde vazam para Ocidente o Guadiana e o Tejo e para o Sul o Jucar, foi outrora também um lago, quando o eram o vale do Ebro e o do Douro, é hoje a última das bacias terciárias lacustres da Espanha, inscrita entre Madrid, Toledo, que foi capital no tempo dos godos, Cuenca e Utiel, Albacete já em Múrcia, e Ciudad-Real já na Mancha.
Encerrado entre as cumeadas graníticas do Guadarrama, entre as montanhas secundárias do Sul do Ebro e os maciços das terras da Lusitânia e da Bética, esse lago terciário vazava para o Mediterrâneo pelos declives que agora seguem o Jucar até Cullera na baía de Valência, e o Segura que vai alagando as veigas murcianas do vasto lençol de terciários marinhos estendidos na costa desde Valência por Alicante e Cartagena, internando-se até Albacete.


Em Cartagena, no Cabo de Palos, principiam a erguer-se os lombos de terrenos metamórficos que constituem junto ao mar a Serra Nevada, Para além da qual o Guadalquivir corre, desde San Lucar até Ubeda, num leito terciário. É entre os declives e eminências da Serra Nevada que os restos da requintada civilização árabe aparecem por toda a parte, ao mesmo tempo que a Andaluzia inteira testemunha a sábia agricultura dos antigos dominadores, cujos barbarizados filhos pisam ainda as alturas das Alpujarras, como os seus irmãos do Magrebe, do outro lado do Mediterrâneo. Por Málaga, descendo a Gibraltar, vê-se o decair dessas cordilheiras que formam o esqueleto da primeira das colunas de Hércules. O clima, a vegetação e a raça fazem desta província da Espanha uma região, ao mesmo tempo fascinante e semi-bárbara». In Oliveira Martins, História da Civilização Ibérica, Guimarães Editores, Lisboa, 1994.

Cortesia de Guimarães Editores/JDACT