A Formação da Sociedade de
al-Ândaluz
«Alguns autores
menosprezaram o número dos recém-chegados. No entanto, os relatos muçulmanos
falam em 30 mil árabes e principalmente berberes. A estes há que juntar os 400
árabes de Ifriqiya que acompanharam al-Hurr ibn Abd al-Rahman, os árabes do
governador al-Samh ibn Malik al-Khawlani, os 7 000 sírios das tropas de Baly e
os militares da hoste do governador Abu l-Khatar al-Husam ibn Dirar al-Kalbi. Os
bárbaros que invadiram a Península no século V não seriam mais numerosos. Por
outro lado, os afluxos berberes e também árabes continuaram ao longo dos
quinhentos anos.
A vinda de gente do
Oriente é sensível no tempo dos emires, em particular de Abderramão I e II. As
emigrações e colonizações berberes forneceram mercenários a Abderramão I e às
tropas de Almançor Abu Amir e incorporaram com milhares de membros as invasões
e colonizações berberes no tempo das dinastias almorávida e almóada.
Segundo o Código
Visigótico, quase todos os caminhos levavam à servidão:
- o nascimento e o casamento com serva,
- o cativeiro e o consentimento voluntário,
- o abuso da força e as sanções penais por rapto,
- adultério e estupro,
- insolubilidade e abandono da mulher casando com outra,
- consultas de adivinhos e falsificação de moeda, etc.
Por outro lado, a feroz perseguição
movida pelo poder eclesial-militar visigótico aos judeus, há muito instalados
como mercadores em todo o Mediterrâneo, forneceria, logo na primeira hora,
aliados preciosos aos conquistadores que lhes entregaram a guarda de algumas
cidades.
As decadentes cidades
hispano-romano-godas opuseram fraca resistência. E após a conquista e durante
as guerras tribais e as guerras entre baladis e os sírios de Baly, não se sublevaram
devido não só à fraqueza dos poderes derrotados como à conversão de
comerciantes, alguns senhores e principalmente servos citadinos à nova religião
que lhes proporcionava a liberdade pessoal. E assim os muladis ou cristãos
muçulmanizados e clientes dos notáveis das tribos invasoras
são visíveis desde os primeiros momentos.
Nos primeiros anos,
durante as guerras tribais, o chefe dos sírios Abu al-Katar al-Sumail
pediu auxílio à gente do mercado de Córdova, facto que parece sugerir não só a liberdade
pessoal destes como a muçulmanização de boa parte da população cordovesa.
Aliás, os muladis ou cristãos muçulmanizados são visíveis
desde as primeiras horas. E no levantamento do arrabalde de Córdova contra al-Hakam
I em 817, a gente do arrabalde é então mais ortodoxa que o próprio emir
a quem doestam com os gritos:
- “Vem, rezar borracho.”
Em contrapartida, os
novos senhores não se mostraram muito interessados na libertação dos camponeses
que, como quinteiros, ficaram adscritos
ao quinto, isto é, ao quinto das terras conquistadas à
viva força e destinado ao Tesouro dos muçulmanos. Os invasores combatiam
ligados pelos laços da tribo e do clã, ciosos do seu sistema familiar
endogâmico e patrilinear.
Como mostrou Pierre
Guichard, este sistema social de tipo tribal e clânico, característico dos
povos
árabes e berberes, condicionou a evolução posterior da sociedade
andaluza e do poder político e militar aí instalado. Em primeiro lugar, não permitiu
a absorpção do novo aparelho religioso-político-militar pelo corpo dos poderes
vencidos. Pelo contrário, os peninsulares só acedem ao novo poder integrando-se
nele como clientes das tribos e dos clãs.
- “Tenho tribo mais numerosa que a tua”. “Esta é a tua glória e a glória da tua tribo”, exclamava Abu al-Katar al-Sumail, chefe dos cáicidas, enquanto degolava cálbidas na igreja onde se iria edificar a mesquita maior.
Artobás e os seus filhos
mantiveram-se como cristãos mas tiveram que repartir largamente as suas terras.
Ao contrário, sua sobrinha Sara a Goda constitui o exemplo da introdução
das mulheres peninsulares na família agnatícia e poligâmica dos
conquistadores». In António Borges Coelho, Tópicos
para a História da Civilização e das Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto
Camões, Colecção Lazúli, 1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.
continua
Cortesia de Instituto Camões/JDACT