A
Tomada de Ceuta
«E
havia sempre quem explicasse: - Foi promessa de el-rei, nosso senhor.
E
assim nessa meada de conjecturas ninguém podia achar o fio que o conduziria à
descoberta da verdade. Judá Negro, um jogral-astrólogo, da casa da Rainha, em
uma trova dirigida a Martim Affonso de Atouguia, revelava
que El-Rei ia filhar Ceuta e que tal soubera pela Astrolomia. Isto foi
espalhado e todos se riram do néscio…
Fora
de Portugal soubera-se já o afanoso preparativo de guerra, extraordinário, que
se estendia em todo o reino; e houve receios. O Bispo de Ávila, em Palência,
mostrou-se desassossegado e, apesar das razões tranquilizadoras do Adeantado de Cacorla, induzira D. Catarina
e o Infante Fernando a que mandassem à presença de João I, como embaixadores, o
bispo de Mondonêdo e Diaz Sanches de Benevides, a fim de se confirmarem as
pazes com Castela. João I despediu-os com as maiores honras, tranquilizando-os.
Nada era com Castella.
Os genoveses
que viviam em Sevilha recebiam cartas dos de Lisboa revelando-lhes que a armada
ia sobre aquela cidade. O rei de Aragão em disputa com o Conde de Urgel, pedira
também carta de segurança. Deu-lha o rei João com o melhor agrado. O Mouro de Granada tremeu também e induziu
a favorita Riccaforra a que mandasse mensagem a rainha de Portugal,
pedindo paz e oferecendo-lhe um enxoval precioso para o casamento da filha, D.
Isabel. Respondeu-lhe, serenamente, a rainha que não se intrometia nos negócios
de Estado.
Acorriam
também os auxiliares; lá da Alemanha um certo duque e um barão vieram para ir a
empresa. O duque pretendeu saber o destino da expedição; não lhe disse o rei e
por isso ele retirou-se para o seu ducado. Vieram mais às aventuras três nobres
franceses: Mosen Arredenton, Pierre Sonure e Gilles Botaller.
No
Porto, o Infante Henrique recebia, todos os dias, apesar da peste, auxiliares
em grande número. Lá do seu solar viera Ayres Gonçalves Figueiredo, com
noventa anos, branco como a neve, quase um espectro, cercado de escudeiros e
peões, apresentar a Henrique a sua espada. O Infante assim que o viu, pasmou;
pareceu-lhe ter diante de si a personificação de todo o passado aguerrido de
Portugal, luzente de armas, erecto e audaz, apesar de quase um seculo de existência.
- Bern vindo sejaes; - dissera-lhe o infante Henrique
- mas homem de vossa edade melhor
fôra filhar
repouso.
Ayres
Goncalves a custo reprimiria um gesto de desdém para responder ao filho de João
I, que
não sabia se o corpo lhe enfraquecera, mas que o ânimo era tanto como os trabalhos
que passara com el-rei seu pae. Embarcou, portanto. Dois baioneses que haviam
visto Aljubarrota, já velhos, trementes, apresentaram-se também no Amazem
ao infante Henrique. Dissera-lhes este: - Já não tenho armas para vós. - Ainda conservamos
as nossas, senhor! - responderam-lhe os dois. Embarcaram também.
Era quase prestes a partir a armada, do Porto. Com a primavera
pareceu diminuir um tanto a peste e por isso era mister não perder tempo para a
expedição, demorando-a. No começo de Julho, Affonso Annes, por mandado
do Infante Henrique, partiu do Porto, em uma fusta, e foi participar ao rei João
I que a armada ia velejar para Lisboa. Tudo se achava a postos para a partida. Sob
o sol fuzilante de Julho, cortando as águas do Douro, por onde parecia rastejar
um reptil de escamas de topázios, a armada começou, de manso e ordenadamente, a
sair». In Alfredo Alves, D. Henrique o Infante, Typografia do
Commercio do Porto, 1894G 286, H5A53, Porto.
Cortesia de Typografia do Commercio do Porto, 1894/JDACT