quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos. José Manuel Anes. «… uma sabedoria tradicional (ciência ou arte sagrada) que aspira à transmutação dos corpos por meio da sua espiritualização, com a concomitante corporificação do espírito. Tem uma faceta laboratorial, “a histórica”, em que se pretende a transmutação dos metais "imperfeitos" em ouro…»


O Alquimista. Pintura de William Douglas, século XIX
jdact e cortesia de wikipedia

Alquimia e Magia
Alquimia e Hermetismo
«É muito rica a reflexão de Pessoa sobre a Alquimia (dada a conhecer em grande parte por Yvette Centeno. A partir dos livros existentes na sua biblioteca, na sua maioria de origem inglesa (Waite, Mathers) esperar-se-ia uma interpretação exclusivamente "espiritual" ou "psíquica" da alquimia, aliás de acordo com as concepções da "Golden Dawn" e da sua equivalente Crowleiana A:. A:. e mesmo da O.T.O. ("Ordo Templi Orientis" que Crowley chefiou e transformou); a propósito, convém dizer que a rosacruciana e cabalística Ordem Hermética da Aurora Dourada "Golden Dawn") foi criada em 1888 por W. W. Wescott, […] e que influência terá tido em Pessoa, muito provavelmente, por via a sua organização da A:. A:. (Astrum Agentum, que designa Àquela Eterna Ordem que Paul Foster Case e Kenneth Mackenzie chamavam de “Invisível e Verdadeira Ordem” e que Karl von Eckartshausen entitulou de "Igreja Interna" ou "comunidade de luz").

NOTA: A Alquimia é uma sabedoria tradicional (ciência ou arte sagrada) que aspira à transmutação dos corpos por meio da sua espiritualização, com a concomitante corporificação do espírito. Tem uma faceta laboratorial, a histórica, em que se pretende a transmutação dos metais "imperfeitos" em ouro, por meio do pó transmutatório, e a elaboração do Elixir da Longa Vida, ambos resultantes da Pedra Filosofal, a meta suprema da Obra Alquímica. A Alquimia, mesmo na sua dimensão física, laboratorial, tem, pelas suas técnicas e pelo seu simbolismo, uma dimensão sagrada, "espiritual", que parece difícil separar da sua dimensão "material". O psicólogo Carl-Gustav Jung acentuou, na sua vasta obra, a dimensão psíquica e espiritual da alquimia.

De facto, esta interpretação da alquimia, claramente na perspectiva do rosacrucianismo da Golden Dawn, existe em Pessoa. Por exemplo, ao referir os quatro estados da Grande Obra alquímica, na qual, segundo ele, se verifica ‘a transmatação do inferior no Superior, sem alteração...’, Pessoa refere que os quatro processos da Obra, são:
  • 1) Putrefacção (…);
  • 2) Branqueamento, a purificação do eu inferior que se segue à putrefacção (...) branqueamento (que) significa a emergência do eu superior e verdadeiro, depois de se ter afastado pela putrefacção o eu inferior e falso;
  • 3) gradação (...) conhecimento gradual do Eu superior. Esta é a verdadeira iniciação, a obtenção gradual do conhecimento e da Conversação do Santo Anjo da Guarda;
  • 4) Rubificação, realização completa.
Reforçando esta interpretação, ele refere noutro texto que na putrefacção, ‘o iniciado tem que morrer para si mesmo, ou, antes, que morrer-se’. Então, para o Poeta, a alquimia é, nesta perspectiva, ‘a transmutação do próprio homem’, mas a essência e o segredo desta operação realiza-se ‘por meio do contacto com os símbolos magicamente carregados’. E em consonância com isto, o "contacto" íntimo com os símbolos e os mitos, onde escreve Pessoa:
  • Um mito pode não ser verdade, mas ser verdadeiro (...) Nisto, em que um mito pode ser Verdade, está uma das chaves da Alta M.(agia) A alquimia está nisto’.
Ora, este último parágrafo, que refere o contacto com os símbolos magicamente carregados e, com os mitos, quer sejam verdadeiros, ou verdade, vai estabelecer a ponte para a interpretação, por parte de pessoa, da alquimia laboratorial, que ele conhecia, pelo menos, através do Tratado português do século XVIII, Ennoea, ou a Aplicação do Entendimento sobre a Pedra Filosofal, de Anselmo Caetano Munhoz e Castelo Branco, livro que pertencia à sua biblioteca». In José Manuel Anes, Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos, Ésquilo 2008, ISBN 978-989-8092-27-4.