terça-feira, 27 de novembro de 2012

Iniciação e Mistério no Antigo Egipto. Rogério Sousa. «É particularmente interessante a descrição de Porfírio que, evocando a viagem de Pitágoras ao Egipto, expõe as dificuldades que o sábio teve que enfrentar para vencer a resistência dos sacerdotes egípcios e ser iniciado nos seus segredos»

Cortesia de wikipedia

«Segundo um dos seus biógrafos, Tales de Mileto visitou o Egipto para se encontrar com os sacerdotes e astrónomos, de quem teria aprendido geometria. Quanto aos segredos relacionados com a sua religião, os sacerdotes egípcios parecem ter guardado mais reservas. É particularmente interessante a descrição de Porfírio (233-304 d.C.) que, evocando a viagem de Pitágoras ao Egipto, expõe as dificuldades que o sábio teve que enfrentar para vencer a resistência dos sacerdotes egípcios e ser iniciado nos seus segredos:
  • Tendo sido recebido por Amasis (568-526 a.C) ele obteve cartas de recomendação para os sacerdotes de Heliópolis, que o enviaram para Mênfis, uma vez que eram mais velhos, o que no fundo era apenas um pretexto. Então, pelas mesmas razões, foi então enviado de Mênfis para os sacerdotes de Diaspolis, Tebas. Estes últimos, temendo o rei e não se atrevendo a dar falsas desculpas para excluir o recém-chegado do seu santuário, pensavam verem-se livres dele forçando-o a empreender tarefas difíceis e inaceitáveis para alguém com uma educação helénica. Tudo foi feito para conduzi-lo ao desânimo de modo a demovê-lo da sua missão. Mas como ele executou zelosamente tudo o que lhe foi pedido, os sacerdotes acabaram por nutrir grande admiração por ele, tratando-o respeitosamente e permitindo-lhe até sacrificar diante dos seus deuses, o que até então nunca tinha permitido a um estrangeiro.
Segundo Jamblico, Pitágoras passou 22 anos da sua vida no Egipto, visitando todos os lugares santos, cheio de profundo respeito, admirado e respeitado pelos sacerdotes. Embora envolta em controvérsia, também a suposta viagem de Platão ao Egipto visava o estudo de geometria e teologia. Reportando-se ou não a eventos reais, a verdade é que todas as alusões à estada de sábios gregos no Egipto referem a mesma dificuldade inicial em penetrar nos segredos dos sacerdotes. Evidentemente a visão que os autores clássicos nos transmitem sobre a iniciação egípcia permaneceu, durante muito tempo, a única fonte disponível para a compreensão do tema. Apesar de ter conduzido frequentemente a interpretações erróneas por parte dos estudiosos que, desde o Renascimento, conjecturaram sobre os mistérios do Egipto faraónico, a verdade é que, à luz das noções actuais da egiptologia, os relatos dos autores clássicos parecem fidedignos. A descrição feita por Porfírio sobre a permanência de Pitágoras no Egipto coloca a revelação e o culto em relação directa entre si. Só depois de um longo período de preparação, em que a força de vontade de Pitágoras foi testada, é que os sacerdotes acederam em lhe transmitir o conhecimento, permitindo-lhe ‘sacrificar diante dos seus deuses’. Embora em plano secundário para os sábios gregos, a iniciação no culto divino estava entrosada com a revelação do conhecimento sagrado, o que constituía uma característica marcada da iniciação egípcia. Na verdade, embora os autores clássicos vissem nas provações iniciais apresentadas pelos sacerdotes egípcios uma desconfiança para com os estrangeiros, o mais provável é que as mesmas dificuldades fossem colocadas perante qualquer candidato à iniciação. Estas indicações alertam-nos desde já para o facto de, ainda antes da helenização dos cultos egípcios, ter existido um processo de preparação que combinava a iniciação no culto divino com a revelação de conhecimentos sagrados. Disso mesmo nos dá testemunho Heródoto que evoca explicitamente a celebração de mistérios de Osíris e Ísis, nos quais, segundo indica, ele próprio se teria iniciado:
  • Também existe em Saís, no santuário de Atena, o sepulcro daquele não creio ser conforme à piedade de pronunciar o nome, nesta ocasião. Está atrás do templo e estende-se ao longo do seu muro. No recinto sagrado erguem-se dois obeliscos de pedra, um lago está na sua vizinhança, delimitado por paredes de pedra cuidadosamente construídas, tão vasto como o lago de Delos , chamado de ‘circular’. À noite, são encenadas representações da sua paixão, que os egípcios chamam de ‘mistérios’. Conheço em detalhe estas representações, mas guardo o silêncio sobre este assunto. Farei o mesmo sobre as festas de iniciação de Deméter, (...).
Para além da relação entre a cripta de Osíris e o lago, o texto de Heródoto coloca em evidência a encenação nocturna destes mistérios, o que é igualmente referido no relato muito mais tardio de Apuleio, ‘O Burro de Ouro’, já no contexto do culto alexandrino de Ísis». In Rogério Sousa, Iniciação e Mistério no Antigo Egipto, Ésquilo, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-8092-56-4.


Cortesia da Ésquilo/JDACT