quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Dos Templários à nova Demanda do Graal. Paulo A. Loução. «Certa tradição refere que, com a queda do mundo clássico e a chegada das trevas medievais, a sabedoria esotérica e os mistérios refugiaram-se no Oriente, ficando o Ocidente órfão da sua tradição mais profunda»

A Génese dos Descobrimentos
Tela do mestre Carlos Alberto Santos, 1987
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O Mistério Templário
«A percepção do impacto que a acção da Ordem do Templo provocou na Idade Média europeia e da sua forte implantação em Portugal constitui uma das bases fundamentais para a apreensão do conteúdo do presente trabalho. Antes de analisarmos o esoterismo da Ordem do Templo, faremos uma pequena reflexão sobre a relação entre o esoterismo, a história e os arquétipos.
Já sabemos que exotérico significa aquilo que é externo e esotérico aquilo que é interno, íntimo, peculiar aos de dentro. Por exemplo, o exoterismo histórico ou religioso dá-nos uma visão superficial da história ou duma religião, facilmente compreensível pela generalidade das pessoas, enquanto que o conhecimento esotérico permite aos seres dotados de uma certa visão interior penetrar num lado mais profundo da história ou duma religião. Naturalmente existem diversos níveis de esoterismo. Apenas os mais ‘acessíveis’ são divulgados através de livros, permanecendo os mais profundos inseridos numa tradição oral milenar. No entanto, mesmo os mais ‘acessíveis’ têm o poder de provocar as reminiscências espirituais que alimentam o ser profundo que habita todo o homem. Como dizia Platão: ‘Vós sois Deuses mas vos haveis esquecido’.
Nesse tronco central da cultura portuguesa do século XX, onde encontramos o movimento da Renascença Portuguesa e o grupo da Filosofia Portuguesa, sempre houve uma empatia por ideias esotéricas e pela procura de uma dimensão espiritual do cosmos. Neste sentido, José Marinho dedicou-se aturadamente a resgatar do esquecimento a obra de Sampaio Bruno. No final de um estudo sobre o filósofo portuense conclui:
  • ‘O segredo de Bruno, afinal não está em Bruno, mas no dom que lhe foi dado e em quem lhe deu o dom. (...) Sabia como só no mais remoto invisível está o segredo de tudo quanto os nossos olhos supõem ver e as mãos iludem tocar. Mas veio antes de tempo e nem viu bem o que intuiu, nem pôde afinal dizer bem o já muito que sabia. Foi prematuro. (...) Talvez num alvorecer ou num anoitecer mais ou menos remoto algum pensador possa retomar a sua difícil empresa e, colocado sob o terrível signo das 'constelações invisíveis', alcance exprimir com mais felicidade a temerosa, sedutora e fecunda heresia’.
De facto, encontramos no pensamento de Bruno uma série de intuições e teorias estimulantes que merece ser debatida. Na sua obra póstuma Os Cavaleiros do Amor, mostra ter captado toda a força que teve o pensamento heterodoxo na história de Portugal e da Europa. Também admite que certos homens excepcionais tenham acesso à desvaliação da luz da verdade e que, como esta colide com as instituições estabelecidas, nomeadamente as religiosas exotéricas, aqueles sintam a necessidade de formar confrarias secretas para que essa verdade seja preservada. Temos uma visão semelhante. A consciência dos seres humanos espiritualmente mais evoluídos acede a uma dimensão da Natureza mais próxima dos arquétipos puros do que a maioria dos seus contemporâneos, ou seja, poderá existir uma elite de humanos que tem o dom de entrar em contacto com o centro do mundo, quer dizer, o lugar imaginal onde as ideias puras se transformam em ideias-formais, em imagens imateriais. Mas como afirma Henry Corbin, o mundus imaginalis tem tanta realidade como o nosso, se bem que numa dimensão mais subti, e é habitado por uma infinidade de entidades incorpóreas (entidades que têm forma mas são imateriais, ou melhor, são compostas de matéria muito subtil). Assim, falando em termos simbólicos, nesse centro do mundo, deverá habitar o Rei do Mundo rodeado pelo seu numeroso séquito de seres espirituais. Estes terão como uma das suas funções moldar os arquétipos históricos.

Alegoria do Infante Henrique
Tela do mestre Carlos Alberto Santos, 1988
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Aqueles que ultrapassavam vitoriosamente as provas nos grandes mistérios da Antiguidade adquiriam uma dupla vida consciente, isto é, para além da vida terrestre podiam aceder conscientemente à dimensão imaginal, onde entravam em contacto com os mestres que compõem o séquito do Rei do Mundo. Esta corrente mágica que mantém a ligação entre o Céu e a Terra, embora se possa tornar bastante ténue, nunca se perde totalmente e, mesmo hoje em dia, num momento de acentuado materialismo que pressiona a consciência humana para os seus corpos mais densos, existem iniciados que mantêm contacto consciente com o centro do mundo. Exceptuando casos muito raros, estes sábios primam pela humildade, discrição, e nunca divulgam as suas experiências desta natureza, pelo que é fácil de constatar que, no geral, todos aqueles que dizem contactar com anjos, arcanjos, Cristo, entidades espirituais, etc., estão a anos-luz do centro do mundo e, na maior parte das vezes, são literalmente enganados por elementais habilidosos (seres incorpóreos cujo estádio evolutivo corresponde ao do reino animal), isto quando o não são pela sua consciência ou pelos seus escúpulos. Tudo indica, de facto, que a Ordem do Templo, como organização, estabeleceu uma ligação efectiva com o Rei do Mundo, ou seja, construiu o Templo de Salomão na Terra, um espaço sagrado que unia o visível ao invisível.
Certa tradição refere que, com a queda do mundo clássico e a chegada das trevas medievais, a sabedoria esotérica e os mistérios refugiaram-se no Oriente, ficando o Ocidente órfão da sua tradição mais profunda. Mais tarde, os Templários entraram em contacto com mestres orientais e provocaram uma anamnese na cultura profunda da Europa Ocidental». In Paulo Alexandre Loução, Dos Templários à nova Demanda do Graal, O Espírito dos Descobrimentos Portugueses, Ésquilo, Lisboa, 2005, ISBN 972-8605-26-9.

Cortesia de Ésquilo/JDACT