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Dantre Tejo e Odiana
«Todo o Alentejo é plaino imenso, oferecido em sacrifício à
violência das intempéries desde a falda setentrional da cordilheira algarvia ao
pórtico ultra monumental de Ródão. Na transversal, estende-se a vasta planície
desde o rio Guadiana, atalaiado a espaços pelo freixo e o loureiro-rosa, até às
salinas de Alcácer e à costa do Oceano, abaixo da qual ainda à grande província
foi permitido ostentar a graça estival de duas ou três praias de banhos. Relevos
orográficos, em terra tamanha, poucos são, e só podem observar-se bem do alto das
torres de Beja e Estremoz, dos eirados do castelo-solar de Alvito, que o último
marquês-barão vendeu duas vezes à Casa de Bragança, ou das fortalezas de Viana,
com sua estrutura de tijolo, e a da velha Salácia, que foi simplesmente
construída de taipa, uma e outra assim formadas por se erguerem em sítios onde
a rocha não aflora.
Na aridez, rica por certo, mas fortemente emocionante da
região ao sul de Beja, Terra e Céu!,
onde a presença dos alvos montes ainda mais rareia, Mértola e Odemira marcam, na
torturante secura transtagana, sua agradável existência de vilas ribeirinhas,
em volta da última das quais os nossos olhos cansados colhem com avidez o mimo
tenro das pequenas veigas. Tudo o mais, na vasta circunferência da antiga
cidade ducal, é terras de trigo, aproveitadas, no preparo dos alqueives, para a
cultura de favais com vários quilómetros de extensão. Quando nas lavras, podem
admirar-se, ainda, as cambiantes dos portentosos barros que abastecem Portugal.
E outra coisa mais se não vê na extensa terra senhorial do que veio a ser o rei
venturoso. Da monotonia circundante nos recompensa Beja, a clara e atraente
cidade do Sul, com seus velhos monumentos, suas nobres tradições e o aliciante
sorriso, com o qual sempre acolhe quem a visita e daí se transfere às outras
cidades do Alentejo.
Jornadeando para cima, ainda antes de atingir a histórica e
monumental cidade que toda a província tem por sua capital, já as elevações
serranas de Portel e Monfurado se revelam à nossa vista e, dez ou doze léguas
para norte, lá se avista então o dorso escuro da serra de Ossa, no centro da
vasta província e na cota de 649 metros. A segunda daquelas, também conhecida
por serra da Tourega, começa a erguer-se ao fundo da herdade da Mitra, onde agora
se instalou a Escola de Regentes Agrícolas e em tempos foi lugar de estada
temporária do metropolita eborense e dos senhores do Cabido.
Não minguam, na bela e prestigiosa cidade que teve consigo,
ao correr dos séculos XV e XVI, a cintilante corte de Portugal, e outro tanto
na maior parte das vilas da sua distrital circunscrição, atraentes temas de
sedução em Arte e em Arqueologia, mais que suficientes para reterem, nesse tão
valioso centro da província, o jornadeante curioso que aí passe com intenções
de não se demorar. Grande relevo aí ganha Vila Viçosa e, acima dela, o grande paço
dos Duques de Bragança. Além, na estirada linha da raia, que desce de Montalvão
até à última das póvoas alentejanas, já confinando com o termo de Alcoutim,
jazem os velhos guardiões da terra transtagana e da nação portuguesa, erguidos,
em sua maioria, pelo rei Dinis, que foi troveiro das flores e do amor das
moças, e nem por isso deixou de ser acautelado construtor de boas defesas do seu
reino contra a cobiça latente no outro lado. Mais tarde, por incumbência de
Manuel I, foram esses bastiões visitados por Duarte D’Armas, que por suas boas
manhas logo passou a traça de cada um ao pergaminho, vindo, assim, a formar-se
o tão interessante como conhecido Livro das Fortalezas.
Poucos, desses baluartes,
escurecidos pelos séculos e pelas intempéries, mostram hoje toda a integridade
da sua atitude defensiva. Vários foram, com o tempo, atingidos por duros golpes
e por sevícias vergonhosas. E outros, escudeiros de burgos em decadência, podem
ser, hoje, considerados fronteiros mutilados ou soldados vencidos: Alegrete,
Ouguela e Juromenha à banda do norte; Terena, Monsaraz e Noudar à parte do sul».
In João António
Gordo, No Alto Alentejo, Crónicas e Narrativas, edição
do Grupo de Amigos de Castelo de Vide, 2004, ISBN 972-99218-0-6.
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