quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O Combate de Flor da Rosa. Conflito Luso-Espanhol de 1801. António Ventura. «Mas o que parecerá incrível é que na marcha retrógrada de Portalegre para Gavião não houvesse quem se lembrasse de mandar retirar do Crato e Flor da Rosa os géneros que ali havia, e com tanta mais razão, quanto que em Gavião nenhuns existiam…»

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Combate de Flor da Rosa visto pela historiografia liberal, Luz Soriano
«Alguns traidores houve, que sem temor de Deus, nem dos homens, denunciaram aos espanhóis, não só os lugares em que na cidade de Portalegre se tinham escondido as munições do exército, mas até lhes declararam as povoações vizinhas, onde existiam armazéns e feitores com elas. Eram estas, além de outras, que já estavam em seu domínio, a vila do Crato, e o lugar de Flor da Rosa, pouco distante da dita vila, onde se havia recolhido grande número de moios de trigo e farinha, para provimento do exército de Portalegre e suas vizinhanças, de onde distavam apenas quatro pequenas léguas. No dia 4 de Junho mandou Ignacio de Lencastre sair de Portalegre o marechal de campo de Mora, com 2.500 cavalos e três batalhões de infantaria para a vila do Crato e lugar de Flor da Rosa com o fim de tomarem estes lugares pela voz de Espanha, e sobretudo com o de se apossarem das munições de boca, que ali se tinham juntado para fornecimento do nosso exército. Dos campos de Gavião saíram também para a vila do Crato e lugar de Flor da Rosa, das seis para as sete horas da tarde de uma quarta feira, 3 de Junho, por ordem do marechal general, duque de Lafões, e debaixo do comando do coronel José Carcome Lobo (não obstante a formal desobediência de ordens, que cometera na defesa de Arronches e da miserável maneira por que ali se conduziu), quatro companhias de granadeiros do 1º e 2º regimentos de Olivença, duas dos dois regimentos do Algarve e Setúbal, e duas de caçadores destes mesmos corpos, com 40 cavalos portugueses, e 28 ingleses, com quatro peças de artilharia, sendo duas de calibre 6 e duas de calibre 3, tudo gente a mais escolhida e forte de todo o nosso exército. Era o fim desta expedição conduzir para Gavião os mantimentos, que havia naqueles dois lugares, devendo ser escoltados e conduzidos por esta força, que para o cabal desempenho da sua comissão levava consigo até sessenta carros, dezasseis dos quais eram puxados por bestas, e todos os mais por bois, pertencentes aos moradores das vizinhanças de Gavião. Tinha esta expedição tanto de necessário, como de arriscada. Necessária, porque o exército, partindo tão apressadamente de Portalegre, não só deixara nesta cidade e terras circunvizinhas, já todas em poder dos espanhóis, todos os mantimentos necessários para a sua subsistência, mas porque, acampando no Gavião e suas vizinhanças, vira-se cortado de fome e de miséria, havendo dias em que se deu a 4 e 6 soldados um pão de munição, que diariamente se dava a um só. Arriscada era também esta empresa, não só pela probabilidade, que os espanhóis dela tivessem sido informados, estando muito mais bem servidos de espias do que o nosso exército, mas também pela quase certeza de que estivessem senhores do Crato e Flor da Rosa, tanto para abastecerem os seus soldados, como para privarem os nossos dos meios de subsistência.
Caminhou a nossa tropa de noite até à pequena vila de Tolosa, onde lhe amanheceu, e dali se dirigiu à Flor da Rosa, onde chegou pelas onze horas do dia, e largando as armas para descansar, deram parte as vedetas e avançadas da vista e proximidade do inimigo, que das estradas de Portalegre se encaminhava para aqueles sítios. Parece que aconselhava a prudência que ou se não arriscasse aquela pouca tropa portuguesa, que para ali foi mandada, à vista das ponderadas razões e circunstâncias, por ser bem de esperar que a vizinhança do inimigo embaraçasse a empresa, ou que a tentar-se, fosse em número suficiente para lhe fazer frente, e muito mais quando o exército ficava inútil em Gavião, onde se não podia recear ataque algum ou manobra do exército contrário, que inactivo se deixou ficar em Portalegre, de onde alguns espias, se é que havia alguns, podiam dar aviso, quando houvesse sinal de movimentos.
Mas o que parecerá incrível é que na marcha retrógrada de Portalegre para Gavião não houvesse quem se lembrasse de mandar retirar do Crato e Flor da Rosa os géneros que ali havia, e com tanta mais razão, quanto que em Gavião nenhuns existiam, nem era fácil havê-los. Determinada porém a operação, necessário era que a marcha se efectuasse rápida, forçando-a de maneira que antes do amanhecer do dia 4 de Junho os nossos estivessem em Flor da Rosa, o que podia bem suceder, pois que entre este posto e Gavião medeiam apenas cinco léguas de distância, e mandando-se logo carregar os carros, era provável que o transporte dos mantimentos se pudesse fazer sem maior risco. Entretanto não se fez assim, acontecendo mais que depois de chegarem as tropas ao lugar do seu destino, apareceu a dificuldade de não haverem sacos para a condução do trigo e farinhas, que em Flor da Rosa estavam a monte, falta a que se devia ter prestado a necessária atenção quando se fez sair a tropa de Gavião. O certo é que esta foi outra das causas do retardamento da operação, ou antes do seu completo malogro. Com a notícia da chegada dos castelhanos, os nossos correram às armas, postando-se duas bocas de fogo em lugar conveniente para bater o inimigo, logo que chegasse ao alcance de lhe poder fazer dano. Duas companhias de caçadores dos regimentos de Olivença se destacaram no intuito de ganharem dos agressores para o incomodarem e deterem o mais que lhes fosse possível, sendo as ditas companhias auxiliadas para este fim, tanto pelos 40 cavalos portugueses, como pelos 28 dragões ingleses. No meio de estas disposições avançou o inimigo, sendo por algum tempo demorado na sua marcha pelo fogo da artilharia; porém, nesta conjuntura, tanto a cavalaria portuguesa, como a inglesa, abandonando os caçadores, que deviam reforçar, fugiram a todo o galope, atropelando nesta fuga a gente que acharam diante de si.

Mapa da região do Crato, 1801, elaborado por espanhóis

Vendo-se expostos, e sem apoio algum, as companhias de caçadores fizeram quanto puderam pela sua parte para cumprirem com os seus deveres, no que perderam alguma gente, que lhes foi morta pelas partidas avançadas da cavalaria inimiga». In António Ventura, O Combate de Flor da Rosa, Conflito Luso-Espanhol de 1801, Edições Colibri, C. M. do Crato, 1996, ISBN 972-8288-23-9.

continua
Cortesia de Colibri/JDACT