Combate de Flor da Rosa visto pela historiografia liberal, Luz
Soriano
«Alguns traidores houve, que sem temor de Deus, nem dos homens,
denunciaram aos espanhóis, não só os lugares em que na cidade de Portalegre se
tinham escondido as munições do exército, mas até lhes declararam as povoações
vizinhas, onde existiam armazéns e feitores com elas. Eram estas, além de
outras, que já estavam em seu domínio, a vila do Crato, e o lugar de Flor da
Rosa, pouco distante da dita vila, onde se havia recolhido grande número de
moios de trigo e farinha, para provimento do exército de Portalegre e suas
vizinhanças, de onde distavam apenas quatro pequenas léguas. No dia 4 de Junho
mandou Ignacio de Lencastre sair de Portalegre o marechal de campo de Mora, com
2.500 cavalos e três batalhões de infantaria para a vila do Crato e lugar de
Flor da Rosa com o fim de tomarem estes lugares pela voz de Espanha, e sobretudo
com o de se apossarem das munições de boca, que ali se tinham juntado para fornecimento
do nosso exército. Dos campos de Gavião saíram também para a vila do Crato e
lugar de Flor da Rosa, das seis para as sete horas da tarde de uma quarta
feira, 3 de Junho, por ordem do marechal general, duque de Lafões, e debaixo do
comando do coronel José Carcome Lobo (não obstante a formal desobediência de
ordens, que cometera na defesa de Arronches e da miserável maneira por que ali
se conduziu), quatro companhias de granadeiros do 1º e 2º regimentos de
Olivença, duas dos dois regimentos do Algarve e Setúbal, e duas de caçadores
destes mesmos corpos, com 40 cavalos portugueses, e 28 ingleses, com quatro
peças de artilharia, sendo duas de calibre 6 e duas de calibre 3, tudo gente a
mais escolhida e forte de todo o nosso exército. Era o fim desta expedição
conduzir para Gavião os mantimentos, que havia naqueles dois lugares, devendo
ser escoltados e conduzidos por esta força, que para o cabal desempenho da sua
comissão levava consigo até sessenta carros, dezasseis dos quais eram puxados por
bestas, e todos os mais por bois, pertencentes aos moradores das vizinhanças de
Gavião. Tinha esta expedição tanto de necessário, como de arriscada.
Necessária, porque o exército, partindo tão apressadamente de Portalegre, não
só deixara nesta cidade e terras circunvizinhas, já todas em poder dos
espanhóis, todos os mantimentos necessários para a sua subsistência, mas
porque, acampando no Gavião e suas vizinhanças, vira-se cortado de fome e de
miséria, havendo dias em que se deu a 4 e 6 soldados um pão de munição, que
diariamente se dava a um só. Arriscada era também esta empresa, não só pela
probabilidade, que os espanhóis dela tivessem sido informados, estando muito
mais bem servidos de espias do que o nosso exército, mas também pela quase
certeza de que estivessem senhores do Crato e Flor da Rosa, tanto para abastecerem
os seus soldados, como para privarem os nossos dos meios de subsistência.
Caminhou a nossa tropa de noite até à pequena vila de Tolosa,
onde lhe amanheceu, e dali se dirigiu à Flor da Rosa, onde chegou pelas onze
horas do dia, e largando as armas para descansar, deram parte as vedetas e
avançadas da vista e proximidade do inimigo, que das estradas de Portalegre se
encaminhava para aqueles sítios. Parece que aconselhava a prudência que ou se
não arriscasse aquela pouca tropa portuguesa, que para ali foi mandada, à vista
das ponderadas razões e circunstâncias, por ser bem de esperar que a vizinhança
do inimigo embaraçasse a empresa, ou que a tentar-se, fosse em número
suficiente para lhe fazer frente, e muito mais quando o exército ficava inútil
em Gavião, onde se não podia recear ataque algum ou manobra do exército
contrário, que inactivo se deixou ficar em Portalegre, de onde alguns espias,
se é que havia alguns, podiam dar aviso, quando houvesse sinal de movimentos.
Mas o que parecerá incrível é que na marcha retrógrada de Portalegre
para Gavião não houvesse quem se lembrasse de mandar retirar do Crato
e Flor da Rosa os géneros que ali havia, e com tanta mais razão, quanto
que em Gavião nenhuns existiam, nem era fácil havê-los. Determinada porém a
operação, necessário era que a marcha se efectuasse rápida, forçando-a de
maneira que antes do amanhecer do dia 4 de Junho os nossos estivessem em Flor
da Rosa, o que podia bem suceder, pois que entre este posto e Gavião medeiam apenas
cinco léguas de distância, e mandando-se logo carregar os carros, era provável
que o transporte dos mantimentos se pudesse fazer sem maior risco. Entretanto
não se fez assim, acontecendo mais que depois de chegarem as tropas ao lugar do
seu destino, apareceu a dificuldade de não haverem sacos para a condução do trigo
e farinhas, que em Flor da Rosa estavam a monte, falta a que se devia ter
prestado a necessária atenção quando se fez sair a tropa de Gavião. O certo é
que esta foi outra das causas do retardamento da operação, ou antes do seu
completo malogro. Com a notícia da chegada dos castelhanos, os nossos correram
às armas, postando-se duas bocas de fogo em lugar conveniente para bater o
inimigo, logo que chegasse ao alcance de lhe poder fazer dano. Duas companhias de
caçadores dos regimentos de Olivença se destacaram no intuito de ganharem dos
agressores para o incomodarem e deterem o mais que lhes fosse possível, sendo
as ditas companhias auxiliadas para este fim, tanto pelos 40 cavalos
portugueses, como pelos 28 dragões ingleses. No meio de estas disposições
avançou o inimigo, sendo por algum tempo demorado na sua marcha pelo fogo da
artilharia; porém, nesta conjuntura, tanto a cavalaria portuguesa, como a
inglesa, abandonando os caçadores, que deviam reforçar, fugiram a todo o galope,
atropelando nesta fuga a gente que acharam diante de si.
Mapa da região do Crato, 1801,
elaborado por espanhóis
Vendo-se expostos, e sem apoio
algum, as companhias de caçadores fizeram quanto puderam pela sua parte para
cumprirem com os seus deveres, no que perderam alguma gente, que lhes foi morta
pelas partidas avançadas da cavalaria inimiga». In António Ventura, O
Combate de Flor da Rosa, Conflito Luso-Espanhol de 1801, Edições Colibri, C. M.
do Crato, 1996, ISBN 972-8288-23-9.
continua
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