Reconstituição de Macau, vista do mar, na época da Restauração.
Pintor Vicente Pacia del Prado
jdact
«Ele não se demorou em conhecer o mérito e a habilidade de Bocarro, e
em 1631, nomeou-o ‘Cronista’, e ‘Guarda-mor da Torre do Tombo do Estado da
Índia. Bocarro desempenhou estas funções durante doze anos e a sua acção foi
considerável, comparada mesmo, com a do infatigável cronista Diogo do Couto
(1542-1616), o primeiro que desempenhou estas funções, posto que não tivesse
sido predecessor imediato de Bocarro, como frequente, mas erroneamente é
afirmado.
No conde de linhares ele encontrou um verdadeiro mestre dirigente, que
fez do seu lugar qualquer coisa que não uma sinecura, se bem que o Vice-Rei
fosse, do mesmo modo, não demorado em exprimir a sua apreciação pelo zelo e
habilidade de Bocarro.
Uma relação dos seus trabalhod encontra-se na monumental Biblioteca Lusitana de Diogo Barbosa
Machado, mas apenas a sua magnum opus, ‘ o Livro das Plantas de todas as Fortalezas, cidades e povoações do
Estado da Índia Oriental, dizem respeito a este nosso trabalho. São desconhecidos
o local e a data da sua morte, bem como qualquer ocorrência nos seus últimos
anos, a não ser a sua nomeação de escrivão da alfândega de Muscat, em
1643. Tem sido alvitrada a possibilidade da sua morte quando os árabes de Oman tomaram
e saquearam a cidade em 1649; mas nada nos leva a concluir definitivamente que
ele tivesse chegado a desempenhar o lugar, nem o seu nome figura nos concelhos
havidos imediatamente antes da tomada da fortaleza, e nos quais tomaram parte
todas as principais autoridades civis e militares da praça sitiada.
Quanto ao estilo literário de Bocarro, não pode dizer-se, em verdade,
que fosse elevado. De acordo com o uso da época, ele procurou imitar os modelos
clássicos latinos, e em consequência deste procedimento, o seu próprio estilo
vernáculo sofreu consideravelmente.
Como pode ser visto no texto, ele é por vezes difuso, chegando à
obscuridade, falta que não é reparada pela sua ortografia e pontuação
caprichosas, nem pelos erros de um amanuense aparentemente descuidado. Por
outro lado as suas deficiências literárias são mais do que atenuadas pela sua
exacção, probidade histórica e pelo muito que trabalhou para, averiguar a
verdade dos factos acontecidos. Como o ilustre Diogo do Couto ele é um historiador
honesto e imparcial que não pretende glosar os crimes e erros dos seus compatriotas
e assim, é digno de crédito absoluto. O estilo de algum modo desconjuntado e difuso
que se observa neste seu trabalho, pode, talvez, em parte ser atribuído ao
facto de ter sido organizado dentro de um muito curto espaço de tempo e
precisamente quando ele tinha em mãos, pelo menos um outro trabalho de maior
importância, a Década XIII, como é afirmado na carta remissiva do Vice-Rei,
conde de Linhares. Além da sua diligência natural, Bocarro tinha claramente um
espírito investigador e penetrante, como é evidente pelo trabalho que teve em
procurar informações seguras sobre nações como a China e Japão.
A seguinte descrição de Macau, como ela era nos seus dias dourados no ano
de 1635, é extraída do relato enciclopédico das possessões portuguesas na
Índia. A amplitude e concisão deste trabalho é bem indicada pelo comprimento de
seu título que é o seguinte:
- Livro das Plantas de todas as Fortalezas, Cidades e Povoaçoens do Estado da Índia Oriental com as descripçoens da altura em que estão, e de tudo que há nellas, artilharia, presidio, gente de armas e vassalos, rendimento, e despeza, fundos e baxos das Barras, Reys da Terra dentro, o poder que tem, e a paz, e guerra, que guardão, e tudo que está debaxo da Coroa de Espanha. Dedicado à Sereníssima Magestade del rey Filipe o IV das Espanhas e III de Portugal, Rey, e Senhor nosso.
O original é um volume manuscrito em fólio grande de mais de 300
folhas, com as plantas de 48 fortalezas ou pessessões portuguesas na Ásia».
In Charles Ralph Boxer, Macau na Época da Restauração, fac-simile da edição da
Imprensa Nacional de Macau de 1942, Fundação Oriente, 1993, ISBN 972-9440-17-4.
continua
Cortesia da F. Oriente/JDACT