quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Macau na Época da Restauração. Descrição de Macau, em 1635. António Bocarro. «Como pode ser visto no texto, ele é por vezes difuso, chegando à obscuridade, falta que não é reparada pela sua ortografia e pontuação caprichosas, nem pelos erros de um amanuense aparentemente descuidado»


Reconstituição de  Macau, vista do mar, na época da Restauração.
Pintor Vicente Pacia del Prado
jdact

«Ele não se demorou em conhecer o mérito e a habilidade de Bocarro, e em 1631, nomeou-o ‘Cronista’, e ‘Guarda-mor da Torre do Tombo do Estado da Índia. Bocarro desempenhou estas funções durante doze anos e a sua acção foi considerável, comparada mesmo, com a do infatigável cronista Diogo do Couto (1542-1616), o primeiro que desempenhou estas funções, posto que não tivesse sido predecessor imediato de Bocarro, como frequente, mas erroneamente é afirmado.
No conde de linhares ele encontrou um verdadeiro mestre dirigente, que fez do seu lugar qualquer coisa que não uma sinecura, se bem que o Vice-Rei fosse, do mesmo modo, não demorado em exprimir a sua apreciação pelo zelo e habilidade de Bocarro.
Uma relação dos seus trabalhod encontra-se na monumental Biblioteca Lusitana de Diogo Barbosa Machado, mas apenas a sua magnum opus, ‘ o Livro das Plantas de todas as Fortalezas, cidades e povoações do Estado da Índia Oriental, dizem respeito a este nosso trabalho. São desconhecidos o local e a data da sua morte, bem como qualquer ocorrência nos seus últimos anos, a não ser a sua nomeação de escrivão da alfândega de Muscat, em 1643. Tem sido alvitrada a possibilidade da sua morte quando os árabes de Oman tomaram e saquearam a cidade em 1649; mas nada nos leva a concluir definitivamente que ele tivesse chegado a desempenhar o lugar, nem o seu nome figura nos concelhos havidos imediatamente antes da tomada da fortaleza, e nos quais tomaram parte todas as principais autoridades civis e militares da praça sitiada.
Quanto ao estilo literário de Bocarro, não pode dizer-se, em verdade, que fosse elevado. De acordo com o uso da época, ele procurou imitar os modelos clássicos latinos, e em consequência deste procedimento, o seu próprio estilo vernáculo sofreu consideravelmente.
Como pode ser visto no texto, ele é por vezes difuso, chegando à obscuridade, falta que não é reparada pela sua ortografia e pontuação caprichosas, nem pelos erros de um amanuense aparentemente descuidado. Por outro lado as suas deficiências literárias são mais do que atenuadas pela sua exacção, probidade histórica e pelo muito que trabalhou para, averiguar a verdade dos factos acontecidos. Como o ilustre Diogo do Couto ele é um historiador honesto e imparcial que não pretende glosar os crimes e erros dos seus compatriotas e assim, é digno de crédito absoluto. O estilo de algum modo desconjuntado e difuso que se observa neste seu trabalho, pode, talvez, em parte ser atribuído ao facto de ter sido organizado dentro de um muito curto espaço de tempo e precisamente quando ele tinha em mãos, pelo menos um outro trabalho de maior importância, a Década XIII, como é afirmado na carta remissiva do Vice-Rei, conde de Linhares. Além da sua diligência natural, Bocarro tinha claramente um espírito investigador e penetrante, como é evidente pelo trabalho que teve em procurar informações seguras sobre nações como a China e Japão.
A seguinte descrição de Macau, como ela era nos seus dias dourados no ano de 1635, é extraída do relato enciclopédico das possessões portuguesas na Índia. A amplitude e concisão deste trabalho é bem indicada pelo comprimento de seu título que é o seguinte:
  • Livro das Plantas de todas as Fortalezas, Cidades e Povoaçoens do Estado da Índia Oriental com as descripçoens da altura em que estão, e de tudo que há nellas, artilharia, presidio, gente de armas e vassalos, rendimento, e despeza, fundos e baxos das Barras, Reys da Terra dentro, o poder que tem, e a paz, e guerra, que guardão, e tudo que está debaxo da Coroa de Espanha. Dedicado à Sereníssima Magestade del rey Filipe o IV das Espanhas e III de Portugal, Rey, e Senhor nosso.
O original é um volume manuscrito em fólio grande de mais de 300 folhas, com as plantas de 48 fortalezas ou pessessões portuguesas na Ásia». In Charles Ralph Boxer, Macau na Época da Restauração, fac-simile da edição da Imprensa Nacional de Macau de 1942, Fundação Oriente, 1993, ISBN 972-9440-17-4.

continua
Cortesia da F. Oriente/JDACT