Inocêncio II e o juramento de vassalagem de Afonso Henriques
«Decisivo foi porém o facto de João Peculiar resolver colocar
o mosteiro sob a protecção da Santa Sé, como tributário dela. Como isto dava
oportunidade de regular também a situação do bispado de Coimbra, tanto Afonso
Henriques como o bispo Bernardo concordaram com o plano, e assim se dirigiu
João Peculiar na companhia de Telo e do diácono Domingos o provido de cartas do
príncipe ao bispo, na Primavera de 1135, para Pisa, onde então residia Inocêncio
II.
Sobre as negociações lá levadas a cabo sabemos apenes que o
cardeal-diácono Guido de Santa Sé. Cosmo
e Damião, personalidade importante, já então se interessou pelos cónegos de
Santa Cruz. O resultado encontra-se em quatro documentos. Inocêncio II soube
apreciar a aquisição dum convento tributário em Portugal; bem se sentia tal
falta, pois até então nunca o papado tinha exercido acção e influência directas
sobre os conventos portugueses. Assim conferiu ele em 26 de Maio de 1135 o desejado
privilégio, estabelecendo um censo anual de dois bizantinos. Talvez fosse
também já então em Pisa combinado que o novo convento da congregação de S. Rufo
lhe fosse anexado, como de facto os enviados logo fizeram, mal regressaram a
Portugal. Também por este meio Santa Cruz foi levada mais para dentro da órbita
da igreja romana e se começou nova organização do sistema conventual português.
Isto pareceu ao papa bastante importante, para que também por seu lado fizesse
a concessão que se esperava dele na questão do bispado de Coimbra.
Inocêncio II havia até então reconhecido as pretensões do
arcebispo de Santiago ao importante bispado português e combatido e condenado a
submissão a Braga de facto existente. Que isto fosse expressamente revogado,
nenhum documento nos autoriza a admitir. Mas temos um privilégio também datado
de 26 de Maio de 1135, no qual o bispo de Coimbra é admitido sob a protecção da
Santa Sé, e bem podemos interpretar este documento como reconhecimento
significativo da situação de facto existente. Pois numa, carta anexa dirigida a
Afonso Henriques diz o papa que acedeu a favor do bispado de Coimbra aos
pedidos do príncipe e que deseja deste, como compensação, pro b. petri reverentia
protecção especial a favor de Santa Cruz.
Aqui vê-se claramente que a protecção concedida ao novo mosteiro e a sua dependência directa da Igreja de Roma foi dádiva feita ao papa, e que se tratou dum do ut des. A Cúria romana ganhava aumento de influência; Portugal conseguia em compensação o bispado de Coimbra para Braga, Metrópole nacional. Assim tirou João Peculiar resultado satisfatório desta sua primeira viagem a Roma.
Com pequeno esforço e sem intervenção da Cúria, conseguiu-se
um ano mais tarde fazer entrar na Província eclesiástica de Braga o bispado do
Porto. É que aqui a dificuldade a vencer era essencialmente apenas de carácter
pessoal, visto que o bispo Hugo do Porto sempre fora do partido de Santiago e
de harmonia com isso conseguira isenção para o seu bispado.
Ora, quando o bispo Hugo faleceu em 1136, promoveu Afonso Henriques
a ocupação da sé vacante por João Peculiar, (já no concílio de Burgos em 4 de
Outubro de 1136 aparece João Peculiar como bispo eleito) e desde então nunca
mais se verificaram vestígios de situação isenta do Porto. Assim haviam voltado
os bispos portugueses a estar sob direcção comum, restabelecendo-se a situação
existente no tempo do arcebispo S. Geraldo». In Carl Erdmann, O Papado e
Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra,
Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.
Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT