«Em sentido oposto, desde meados do século XIII que os navios
italianos, que até aí não ousavam ir além de Salé, avançam ao longo da costa
marroquina até Safim. Em 1291, duas galés capitaneadas pelos irmãos Vivaldi
zarpavam de Génova para atingir as Índias Orientais pelo Oceano ocidental.
Precursores de Colombo, como sustenta Magnaghi, quer dizer, rumando das
Canárias em direitura para oeste na esperança de abordar, após a travessia, às
costas extremo-orientais do mundo asiático? Precursores de Bartolomeu Dias e do
Gama, como afirma a maior parte dos historiadores, quer dizer, costeando o
continente africano com destino à Índia e não ao Cathay ou ao Cipangu? Difícil,
ou até impossível, decidir. As fontes indicam apenas vagamente o termo demandado:
as Índias Orientais, logo a escolha entre o Malabar e o Japão parece
arbitrária; também para indicar a rota que os Vivaldi pensavam seguir, só: Oceano
Atlântico.
Caddeo propõe uma reconstituição sedutora da viagem, e que esclareceria
certas passagens obscuras das fontes: uma das galés teve de ser abandonada na Guiné,
onde os negros cativaram alguns dos genoveses; a outra prosseguiu ao longo da
costa africana, dobrou o cabo de Boa Esperança, acabando por naufragar perto de
Mogadoxo, donde alguns cativos foram levados à corte do Abexim. Mas os genoveses
em poder do Preste João, de que ouviu falar o terceiro Vivaldi quando andava em
busca de Ugolino e Vadino pelo caminho do mar Roxo, podem muito bem ser alguns
dos salvos da esquadra genovesa do golfo Pérsico.
Além disso, o périplo apresenta-se assás inverosímil, como aliás todos
os périplos anteriores ao século XV: não se apoiavam em nenhuma escala atlântica,
nem em mapas do oceano e das costas de Ártica, nem na náutica astronómica, nem
no conhecimento das correntes e ventos do Atlântico.
Seja como for, a tentativa dos Vivaldi fracassou, e ninguém a retomou.
No entanto, da viagem dos dois irmãos e das viagens empreendidas por ordem do
seu capitalista, Thedisio d’Oria, para os buscar algures no Poente, um resultado
positivo ficou:
- o redescobrimento das Canárias e a sua integração na navegação corrente e no horizonte cultural e económico da Europa. Lançarote Malocello conquistou a ilha que dele recebeu o nome e aí residiu alguns anos durante o primeiro terço do século XIV.
Em 1341, uma expedição florentino-genovesa equipada em Lisboa voltava
pela Madeira e talvez visitasse ou avistasse os Açores. Em meados de Trezentos,
os navios mediterrâneos frequentavam as Canárias com certa assiduidade. Que por
várias vezes fizessem escala na Madeira e Porto Santo, é de crer sem dúvida:
lógica da rota de torna-viagem, e a cartografia documenta os progressos no
conhecimento do arquipélago.
Ao invés, os Açores só uma ou duas vezes teriam sido achados, e só por
acaso seria possível lá voltar: a sua localização nas cartas do século XIV não
melhora, a disposição das ilhas e sua configuração também não, quer uma quer
outras permanecem bem grosseiras.
A 10 de Agosto de 1346, o ‘uxer’, navio semelhante à galé, de
Jaime Ferrer levanta âncora da Catalunha ’per
anar al riu de l’or’, em demanda do Rio do Ouro, logo com o alvo de
estabelecer contacto directo com os mercados do metal amarelo na Guiné. O ‘uxer’
deve ter dobrado o cabo Bojador e atingido talvez o actual Rio do Ouro, que não
é o autêntico, o Senegal.
Não voltou e dele nada se soube. Fracasso, igualmente. Os catalães e
maiorquinos contentar-se-ão com saltear as Canárias, a fim de obter mão-de-obra
para as plantações de açúcar de Valência e para vender no Maghrebe, uma vez que
genoveses e venezianos detinham o rendoso resgate do mar Negro, para mais, lá
bem longe.
Tentativas genovesas e catalãs-maiorquinas, suas bases de partida
situam-se no Mediterrâneo ocidental, seu objectivo é o Poente, e desenrolam-se
em fins do século XIII e durante a primeira metade do XIV. Veneza permanece
voltada para o Levante: contemporaneamente, Marco Polo opõe-se aos Vivaldi. São,
porém, os problemas do Levante que preponderantemente comandam a acção genovesa».
In
Vitorino Magalhães Godinho, A Expansão Quatrocentista Portuguesa, 1962,
Publicações Dom Quixote, 2008, ISBN 978-972-20-3510-1.
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