sábado, 3 de novembro de 2012

A Expansão Quatrocentista Portuguesa. Vitorino Magalhães Godinho. «Em 1341, uma expedição florentino-genovesa equipada em Lisboa voltava pela Madeira e talvez visitasse ou avistasse os Açores. Em meados de Trezentos, os navios mediterrâneos frequentavam as Canárias com certa assiduidade. Que por várias vezes fizessem escala na Madeira e Porto Santo, é de crer sem dúvida»


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«Em sentido oposto, desde meados do século XIII que os navios italianos, que até aí não ousavam ir além de Salé, avançam ao longo da costa marroquina até Safim. Em 1291, duas galés capitaneadas pelos irmãos Vivaldi zarpavam de Génova para atingir as Índias Orientais pelo Oceano ocidental. Precursores de Colombo, como sustenta Magnaghi, quer dizer, rumando das Canárias em direitura para oeste na esperança de abordar, após a travessia, às costas extremo-orientais do mundo asiático? Precursores de Bartolomeu Dias e do Gama, como afirma a maior parte dos historiadores, quer dizer, costeando o continente africano com destino à Índia e não ao Cathay ou ao Cipangu? Difícil, ou até impossível, decidir. As fontes indicam apenas vagamente o termo demandado: as Índias Orientais, logo a escolha entre o Malabar e o Japão parece arbitrária; também para indicar a rota que os Vivaldi pensavam seguir, só: Oceano Atlântico.
Caddeo propõe uma reconstituição sedutora da viagem, e que esclareceria certas passagens obscuras das fontes: uma das galés teve de ser abandonada na Guiné, onde os negros cativaram alguns dos genoveses; a outra prosseguiu ao longo da costa africana, dobrou o cabo de Boa Esperança, acabando por naufragar perto de Mogadoxo, donde alguns cativos foram levados à corte do Abexim. Mas os genoveses em poder do Preste João, de que ouviu falar o terceiro Vivaldi quando andava em busca de Ugolino e Vadino pelo caminho do mar Roxo, podem muito bem ser alguns dos salvos da esquadra genovesa do golfo Pérsico.
Além disso, o périplo apresenta-se assás inverosímil, como aliás todos os périplos anteriores ao século XV: não se apoiavam em nenhuma escala atlântica, nem em mapas do oceano e das costas de Ártica, nem na náutica astronómica, nem no conhecimento das correntes e ventos do Atlântico.
Seja como for, a tentativa dos Vivaldi fracassou, e ninguém a retomou. No entanto, da viagem dos dois irmãos e das viagens empreendidas por ordem do seu capitalista, Thedisio d’Oria, para os buscar algures no Poente, um resultado positivo ficou:
  • o redescobrimento das Canárias e a sua integração na navegação corrente e no horizonte cultural e económico da Europa. Lançarote Malocello conquistou a ilha que dele recebeu o nome e aí residiu alguns anos durante o primeiro terço do século XIV.
Em 1341, uma expedição florentino-genovesa equipada em Lisboa voltava pela Madeira e talvez visitasse ou avistasse os Açores. Em meados de Trezentos, os navios mediterrâneos frequentavam as Canárias com certa assiduidade. Que por várias vezes fizessem escala na Madeira e Porto Santo, é de crer sem dúvida: lógica da rota de torna-viagem, e a cartografia documenta os progressos no conhecimento do arquipélago.
Ao invés, os Açores só uma ou duas vezes teriam sido achados, e só por acaso seria possível lá voltar: a sua localização nas cartas do século XIV não melhora, a disposição das ilhas e sua configuração também não, quer uma quer outras permanecem bem grosseiras.
A 10 de Agosto de 1346, o ‘uxer’, navio semelhante à galé, de Jaime Ferrer levanta âncora da Catalunha ’per anar al riu de l’or’, em demanda do Rio do Ouro, logo com o alvo de estabelecer contacto directo com os mercados do metal amarelo na Guiné. O ‘uxer’ deve ter dobrado o cabo Bojador e atingido talvez o actual Rio do Ouro, que não é o autêntico, o Senegal.
Não voltou e dele nada se soube. Fracasso, igualmente. Os catalães e maiorquinos contentar-se-ão com saltear as Canárias, a fim de obter mão-de-obra para as plantações de açúcar de Valência e para vender no Maghrebe, uma vez que genoveses e venezianos detinham o rendoso resgate do mar Negro, para mais, lá bem longe.
Tentativas genovesas e catalãs-maiorquinas, suas bases de partida situam-se no Mediterrâneo ocidental, seu objectivo é o Poente, e desenrolam-se em fins do século XIII e durante a primeira metade do XIV. Veneza permanece voltada para o Levante: contemporaneamente, Marco Polo opõe-se aos Vivaldi. São, porém, os problemas do Levante que preponderantemente comandam a acção genovesa». In Vitorino Magalhães Godinho, A Expansão Quatrocentista Portuguesa, 1962, Publicações Dom Quixote, 2008, ISBN 978-972-20-3510-1.

Cortesia de Dom Quixote/JDACT